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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Eu e o Maracanã


A primeira vez que fui no Maracanã foi em 1962, quando fui assistir a partida entre Santos e Benfica no primeiro jogo da Taça Intercontinental, como era conhecido naquela época, e que hoje corresponde ao Mundial de Clubes.  Foi um jogaço.  De um lado Santos de Pelé e Coutinho e Pepe e tantos outros craques, e do outro Benfica, do genial Eusébio.  Santos venceu o jogo pelo placar de 3 x 2, mas no segundo jogo, 3 semanas depois em Lisboa, Santos venceu novamente, dessa vez pelo placar de 5 x 1, sagrando assim campeão mundial de clubes.

Logo depois, assisti meu primeiro jogo do Flamengo no Maracanã, uma vitória de 2x0 sobre Bangu, e pronto, como num passo de mágico, eu havia me tornado rubro-negro.  Uma vez Flamengo, sempre Flamengo. Dali, até o final da década de '90, calculo ter ido ao Maracanã mais de mil vezes.  Não perdia um jogo sequer do Mengão.  Podia ser uma terça-feira a noite contra Olaria, ou um Domingo contra Vasco, não importava, eu estava lá, com camisa, bandeira, e a almofada (rubro-negra) que toda frequentador assídua da arquibancada levava ao estádio..

Fora os jogos do Flamengo, também comparecia ao Maracanã sempre que a seleção brasileira lá jogava, incluindo nisso a serie de 3 jogos em que a seleção jogava em casa, contra Colombia, Venezuela, e Paraguai, respectivamente,  para a classificação  para a Copa de 1970.  O último desses jogos foi contra Paraguai, e a seleção necessitavam apenas empatar para garantir a vaga para a Copa.
O jogo estava marcada para começar as 16 horas.  Saí de casa no Leblon, junto com quatro amigos, às 9.30 da manhã e chegamos no Maracanã por volta das 10 horas e conseguimos entrar no estacionamento que naquele tempo ainda existia dentro do complexo do Maracanã, e ficamos esperando as roletas abrirem as 11 horas para dar acesso à arquibancada, conforme a previsão.  Por sorte nossa, a nossa roleta, vindo do estacionamento, abriu alguns instantes antes das roletas principais.  Nesse dia, o acesso à arquibancada era somente pelo anel superior e subi as duas rampas num pique impressionante, e fui a primeira pessoa a acessar a arquibancada.  Escolhi uma posição exatamente na linha intermediária do campo e sentei.  Eram 11 horas e cinco minutos.  Ao meio-dia, se levantasse, não sentaria mais, pôs nessa altura, além de estamos apertadas feitos sardinhas na lata, tinha pessoas nos meus pés e outras nas minhas costas.  Como não tinha nada a fazer, nem nada para assistir, pois não houve jogo preliminar, a diversão da torcida era de dar empurrões nos retardatários que tentavam se equilibrar entre os degraus enquanto buscavam um local para sentar, e vê-los rolar por cima das cabeças de quem já estava sentado.  Considero um pequeno milagre que não morreu ninguém.  Oficialmente, teve 195.000 pessoas presentes (183.000 pagantes, um recorde de pagantes), e Brasil ganhou o jogo por 1x0, gol de Pelé.

Apesar da confusão daquele dia, não foi essa o maior sufoco que passei  no Maracanã.  A pior situação que enfrentei foi na tentativa de comprar ingressos pra um Flamengo x Vasco, no dia 1º de maio de 1968.  Como se sabe, o ano de 1968 foi um ano tumultuado em vários países do mundo, como os protestos dos estudantes em Paris e o movimento contra a guerra do Vietnam nos Estados Unidos, para citar os mais conhecidos. No Brasil, o governo militar também estava pressionado por um crescente movimento de protesto estudantil contra a ditadura, e estava sendo organizado uma grande manifestação no feriado de 1º de maio - o Dia do Trabalhador.  Supostamente para esvaziar a manifestação, foi programado um Flamengo x Vasco, para o mesmo dia.  Entre ir para a manifestação ou ir para o Maracanã, eu escolhi o Maracanã,  Chegando lá, como de hábito, duas horas antes da partida começar, encontrei um enorme fila nas bilheterias para comprar ingressos para a arquibancada.  Mesmo assim, entrei na fila, que quase não andava.  Enquanto isso, não parava de chegar gente, com todo mundo empurrando quem estava na frente.  Após um tempo, correu a notícia que as bilheterias havia fechadas pois os ingressos haviam esgotados.  Só que ninguém conseguia mexer, pois cada vez chegava mais gente  e as pessoas mais a frente estavam sendo esmagados contra as grades da bilheteria.  Várias pessoas começaram a ficar desesperadas e passar mal, mas ninguém conseguia se mexer, com a multidão atrás empurrando para frente e as pessoas mais a frente ficando cada vez mais difícil respirar.  Comecei a achar que eu iria morrer asfixiado mas quando a situação estava ficando muito feia, apareceu dois PM's da cavalaria que meterem os cavalos por cima da multidão, que logo se dispersou, evitando assim o esmagamento.  Saí de lá com as pernas bambas mas ainda fui procurar ingressos para o Geral, mas esses também estavam esgotados.  Foi a única vez que fui ao Maracanã e não consegui entrar no estádio.

Em 1971 assisti dois eventos notáveis, a despedida do Pelé da seleção brasileira num jogo amistoso contra Yugoslavia (o jogo terminou 2x2), e a estreia do Zico no time principal do Flamengo.  Ainda levou alguns anos para o garoto franzino se firmar como titular do Flamengo mas a torcida toda sabia que tínhamos uma joia rara.  De fato, quem teve, como eu, o privilegio de acompanhar a carreira do Zico no Flamengo ao longo das décadas de '70 e '80 sabe que desfrutou de tudo que uma torcida pode almejar na vida.  Foi uma época gloriosa, com grandes craques, grandes jogos, e grandes conquistas.  Quem viu, viu, quem não viu, não verá nunca mais, isso que é a realidade.

Nos anos '90, continuei frequentando o Maracanã, mas nesta altura eu já havia migrado para as cadeiras especiais, e até a tribuna honra, pois de vez em quando acompanhava visitantes VIP's ao estádio.  Eu estava lá  em 1992 quando Flamengo conquistou mais um campeonato nacional, e assisti, horrorizado, quando rompeu uma parte da grade da arquibancada onde ficava a torcida do Flamengo e dezenas de rubro-negros caírem nas cadeiras embaixo.  A culpa do acidente foi das autoridades responsáveis pelo estádio pois haviam divididos o espaço da arquibancada meio a meio entre as torcidas do Flamengo e Botafogo, quando a torcida do Flamengo é no mínimo três vezes maior que a do Botafogo.  Resultado, os flamenguistas estavam todos espremidos enquanto o lado do Botafogo sobrava espaços vazios.

Já no final da década de '90 o Maracanã começou a passar por uma serie de reformas de modernização, e que consumiu mais de R$2 bilhões de dinheiro público, que resultou no estádio que temos hoje, que  na minha opinião, não chega aos pés do original.  A retirada do Geral tirou um espaço popular que contribuía muito para a alma do estádio, além de proporcionar a oportunidade de pessoas de baixa renda ter acesso aos jogos por preços razoáveis.  Depois a colocação de cadeiras na arquibancada reduziu muito a capacidade do estádio.  Outro fator negativo, ao meu ver, foi o crescimento do espaço das cadeiras especiais, "invadindo" o espaço que antes pertencia às arquibancadas.  O resultado dessa modernização é que o estádio hoje tem capacidade para apenas 78.000 espectadores, os ingressos são muitíssimo mais caros, e o ambiente eletrizante que existia sempre que havia um jogo 'clássico" não existe mais.

O que me motivou a fazer estas recordações foi a confusão extrema que testemunhamos neste último Domingo, por ocasião do final da Taça Guanabara entre Fluminense e Vasco da Gama, e tudo provocado por uma discussão idiota sobre qual torcida deverá ficar posicionada à direita dos cabines de rádio.  Ora, até o Sobrenatural de Almeida sabe que o lugar à direita dos cabines de rádio pertence ao Vasco, assim como o espaço à esquerda pertence ao Flamengo.  É assim desde sempre, desde que o mundo é mundo, ou melhor, desde que o Maracanã é Maracanã.  Fluminense, por sua vez, fica à esquerda, mas saí para a direita quando enfrenta Flamengo, e Botafogo fica à direita, mas sai para a esquerda quando enfrenta Vasco.  Tudo muito fácil, sem problemas.  Não me venham dizer que o Fluminense tem contrato desde 2013 com os concessionários do estádio para ficar à direita dos cabines do rádio quando tem mando de campo, e outros blá blá blá.  Isso é um desrespeito às tradições do Estádio, uma burrice sem tamanho, e um convite ao caos que acabamos de testemunhar domingo passado.  Não gosto do Vasco, como também não gosto do Fluminense (apesar de ter netos de ambos esses times), mas fiquei feliz que Vasco venceu o jogo para Fluminense deixar de ser besta, e voltar para seu devido lugar.  E para finalizar, estou inteiramente a favor do projeto de transformar o espaço atrás dos gols em áreas que podem ficar de pé, desde que pratica preços populares.  Vamos trazer o povo de volta ao Maracanã e, quem sabe, reviver a alegria de antigamente!
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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Ricardo Boechat e o Livro do Copa




Lamentavelmente, o Brasil acaba de perder um dos seus grandes jornalistas e apresentadores na pessoa do Ricardo Boechat, vitima do trágico acidente de helicóptero ante-ontem em São Paulo.  O trajetória de sucesso do Boechat como jornalista e apresentador de rádio e televisão é amplamente conhecido e o impacto de sua morte trágica e prematura é lamentada por milhões de pessoas no Brasil inteiro.  Sem dúvida fará muita falta para muita gente, sem falar de sua própria família,  que é onde certamente sua ausência será ainda mais sentida.

Como milhões de outras pessoas, eu também vou sentir muito a sua falta.  Conheço Ricardo há mais de 30 anos, desde que ele era responsável pela coluna do Swann no Jornal Globo, e acompanho seu trajetória de sucesso desde este tempo.  O estilo combativo e questionador do Ricardo, e até sua rebeldia, eram marcas características de sua personalidade, como eram também sua simplicidade, generosidade, e grande humanidade.  Tinha uma grande sensibilidade para as injustiças sociais existentes no Brasil e lutava todos os dias para tornar Brasil um país melhor.  É por isso que ele fará tanta falta, para tantas pessoas.

De uma certa forma, é até irônico que Ricardo começou sua carreira vitoriosa de jornalista no colunismo social, pois o mundo da elite carioca frequentadora das colunas sociais no início da década de '70 era um mundo totalmente antagônica ao mundo vivido por Ricardo, naquela época um membro de carteirinha e tudo do PCdoB.  Talvez por isso, que Ricardo é creditado como sendo um dos responsáveis pela transformação das colunas sociais em espaços que apenas tratavam de relatar as historias da elite carioca para um espaço para publicar assuntos de interesse geral da cidade.

De qualquer forma, foi no Copacabana Palace, no início da década de '70, que Ricardo deu seus primeiros passos no jornalismo.  Contratado pelo hotel como Assessor de Imprensa, após recomendação do então ícone do colunismo, Ibrahim Sued, que fazia da piscina do Copacabana Palace seu quartel-general, o trabalho de Ricardo era de garimpar notícias sobre as celebridades que se hospedavam no hotel para passar para a coluna social. Não demorou muito para que Ricardo passasse a assessorar diretamente Ibrahim, e com quem colaborou por 13 anos, ..."and the rest is history," como se diz.  O certo é, por causa desse início de carreira, o Ricardo conhecia muito bem os bastidores do Copacabana Palace e sempre demonstrou um carinho muito especial, tanto para o hotel, como para seus colaboradores.

Anos mais tarde, já na década de '90, estávamos às voltas com a idéia de produzir um livro relatando a história única do Copacabana Palace.  Para dar o início  ao livro, o Gerente de Comunicações do hotel na época, o jornalista Eugênio Lyra Filho, e a RP do Hotel, Claudia Fialho, auxiliados por uma equipe de pesquisadores, haviam reunida uma extensa documentação com as histórias do passado.  A ideia inicial foi que o texto do livro seria escrito por Eugênio Lyra,  mas infelizmente Eugênio veio a falecer após uma cirugia cardíaca, e o projeto de escrever o livro ficou paralisado por algum tempo.  

Foi por ocasião da celebração do aniversário de 75 anos do hotel, em 1998, que o projeto de publicar o livro foi retomado.  Não me lembro exatamente como, mas provavelmente por sugestão de Claudia Fialho, autora de muitas boas idéias, surgiu a idéia de convidar Ricardo Boechat para escrever o livro.     Nesta altura, Ricardo já era um jornalista consagrado, e super ocupado, mas mesmo assim, após muito trabalho de convencimento, concordou em escrever o livro.

Foi a partir desse momento que passei a ter um contato quase diário com Ricardo, ao longo de vários meses, na medida que o texto do livro ia tomando forma,  e a minha profunda admiração pela pessoa do Ricardo vem desse tempo.  O trabalho de desenvolver o texto foi exaustivo, pois reunir milhares de pequenas histórias num texto coerente e de agradável leitura só seria possível para um grande jornalista.  O resultado do livro, que é um relato não apenas das histórias do hotel, mas também do próprio bairro de Copacabana, assim como da cidade do Rio de Janeiro na sua época mais gloriosa é um testemunho da grande competência do Ricardo, e que ficará conosco para sempre.

Depois do sucesso da primeira edição do livro, foram feitas mais duas edições para comemorar respectivamente os aniversários de 80 e 85 anos do hotel.  Em ambas essas edições o texto que atualizava a história do hotel foi desenvolvido com maestria por Ricardo, na última relatando com detalhes aspectos relacionados à hospedagem dos Rolling Stones por ocasião do épico show na praia de Copacabana em 2006.

Agora, leio nos jornais que a direção do Copacabana Palace pretende homenagear Ricardo inaugurando uma fotografia sua na galeria de fotos de celebridades que já se hospedarem no hotel.  É uma homenagem justa, e mais que merecida, embora Ricardo seria a primeira pessoa a rejeitar o rótulo de celebridade.  Era isso o Ricardo que eu conhecia, e de quem já sinto uma imensa saudade.