Total de visualizações de página

terça-feira, 26 de julho de 2011

Salvador da Bahia

         Do ponto de vista pessoal, a qualidade de vida que desfrutamos em Salvador era muito agradável.  Havia diversos gerentes que moravam no hotel, com suas famílias, e o convívio social era muito agradável.  Frequentemente fazíamos passeios de schooner na baía de Todos os Santos, visitando ilhas desertas, e as as vezes ate acampamos nas ilhas.  Fizemos também bons amigos na cidade, e éramos frequentemente convidados para as casas das pessoas, desfrutando da hospitalidade baiana.  Era um tempo que o Estado da Bahia estava investindo pesadamente para desenvolver  o Turismo no Estado, e havia muito apoio dos orgaos do governo para a hotelaria, assim como para o Turismo em geral.  No tempo em que estive na Bahia a cidade de Salvador estava na moda para a classe “A” da sociedade brasileira do Rio e São Paulo, e o hotel desfrutava de uma boa  taxa de ocupação, e com uma clientela sofisticada e exigente, mas que consumia bem, e com isso o hotel conseguia uma boa rentabilidade.  Infelizmente, no inicio de 1979, numa tentativa de conter a inflação, o governo decretou o tabelamento de preços, inclusive de hotéis cinco estrelas.  A partir daquele momento, os preços ficavam congelados, enquanto os custos operacionais, inclusive dos salários, continuava a crescer.  Alem disso, o tabelamento de preços criou um crise de abastecimento sendo necessário pagar um “agio” aos fornecedores para abastecer o hotel.  Com esta situação, a rentabilidade do  hotel caiu vertiginosamente, muito embora a taxa de ocupação continuou boa.  Esse episódio de tabelamento deixou traumas nos hoteleiros que durou décadas.  Terminado o período de tabelamento, todos os hotéis do pais passaram a registrar preços de diárias muito acima dos preços realmente praticadas na Embratur (o registro de preços de diárias era obrigatório), como uma medida de prevenção para o caso de surgir um novo tabelamento de preços.  Esta pratica causou uma distorção no mercado, no que diz respeito ao “preco de tabela”, que ate hoje ainda persiste, em alguns casos.

 Apesar das dificuldades provocada pelo tabelamento de preços, a vida em Salvador seguia com relativa tranquilidade.  Eu gostava do trabalho que vinha realizando e estava feliz na Bahia.  Entre outras vantagens, tínhamos feito amizade com o pessoal da Base Naval de Aratu, o que valeu convites para frequentar eventos e festas ali realizados, alem de poder frequentar a otima praia da Base.  Alem disso, eu tinha voltado a praticar golfe, e frequentava o clube de golfe em Cajazeiras.  Foi então com surpresa, em Outubro de 1979, que  fui chamado para uma reunião no Rio, e informado que haveria alguns remanejamentos de gerentes-gerais dos principais hotéis.  O gerente-geral do Rio Othon estava demissionario e seria substituído pelo gerente geral do Belo Horizonte Othon, e fui  informado que eu deveria substituir-lo em Belo Horizonte.  Não se tratava exatamente de uma promocao, porque os hotéis da Bahia e de Belo Horizonte eram muito similares em tamanho,  e importância dentro da  companhia.  Ponderei com o Diretor que achava prematuro a minha saída naquele momento da Bahia, pois havíamos realizados muitas mudanças, e embora os resultados já eram evidentes,  ainda havia muito mais a fazer.  Eu disse para o diretor que  eu considerava que o meu trabalho na Bahia ainda estava pela metade, já que só tinha um ano e três meses na função, e que deveria permanecer no cargo por mais algum tempo.  O Diretor me ouviu atentamente, mas depois concluiu, “ E, pode ser que você tem razão, mas acontece que não temos outra pessoa que esteja preparado para  assumir em Belo Horizonte, a não ser você, enquanto na Bahia nos temos a oportunidade de contratar o ex-diretor do Hotel Salvador Praia, que e nordestino (de Recife), e tem grande experiência na Bahia.  Ele vai dar continuidade ao seu trabalho”.  E foi assim entao que aconteceu, e o jeito foi eu novamente arrumar minhas malas, desta vez com destino Belo Horizonte.  A minha festa de despedida para os funcionários do hotel na Bahia foi muito emocionante, e também  gratificante, pois centenas de funcionários ficaram enfileirados para me cumprimentar, e me desejar sorte para o futuro. Recebi inúmeros amuletos de presente, que guardo ate hoje, e que tenho certeza me trouxeram muita sorte.  Sai triste da Bahia, pois eu tinha convicção que a minha saída era precipitada, mas orgulhoso pelo trabalho  que havia realizado, e por muitos anos depois considerei que o trabalho que consegui realizar na Bahia foi  o melhor da minha carreira.


segunda-feira, 25 de julho de 2011

Chegando na Bahia

        O Bahia Othon era um belo hotel, muito bem projetado e decorado de uma forma original que combinava as caracteristicas coloniais portugueses de Salvador com cores vivas que refletiam a influencia africana da cidade.  A localização, numa colina defronte da praia de Ondina era excepcional, e proporcionava belas vistas de todos os apartamentos.  Havia um restaurante de luxo, e um outro tipo “coffee shop” para refeicoes informais, uma área de eventos com salões com capacidade para 600 pessoas, uma bela piscina, dois bares, e uma galeria de lojas.  Alem disso,  ainda abrigava nas suas dependências o filial baiano da famosa casa noturna “Hippopotamus”.  Alem dessas belas instalacoes do “front of the house”, a parte do serviço do hotel havia sido muito bem projetado, de forma que o hotel estava muito bem equipado para oferecer um serviço diferenciado ao seus hospedes.  Em termos de instalacoes físicas, o Bahia Othon era de longe o melhor hotel que eu tinha gerenciado ate então, mas era também o mais complexo, e o que mais me exigia, em todos os sentidos.

         A maior diferencial, em comparação com Rio e São Paulo, era a falta de mão de obra qualificada.  Enquanto no Rio e São Paulo havia uma mercado de hotelaria de luxo já consolidado, com muitos bons profissionais disponíveis, na Bahia, na década de `70, este mercado era incipiente, e a dificuldade de encontrar bons profissionais era grande.  A solução era treinamento e mais treinamento, e buscar profissionais no eixo Rio/São Paulo,  ou ate do exterior.  A “importacao” de profissionais entretanto nem sempre dava certo.  Havia muitos problemas de adaptação, mesmo para quem vinha do Rio ou São Paulo, e uma tendência de culpar a mão de obra local para todas as deficiências e problemas que surgiam.  No caso do Bahia Othon,  muitos desses problemas eram originarias da calamitoso inauguração do hotel  três anos antes, ainda na “era Cortez”.  Como era politica do Cortez, o gerente geral havia sido recrutado no exterior, neste caso na Republicana Dominicana, onde havia gerenciado hotéis da cadeia Intercontinental,   e ele, por sua vez, havia trazido dezenas de outros executivos e chefes de departamento que ele conhecia da região.  O resultado foi que quase todo o corpo gerencial do hotel era composto de centro-americanos, que  falavam espanhol, mas não português, e que tinham pouco ou nenhum conhecimento sobre Brasil, e muito menos sobre a Bahia.  Para complicar ainda mais a situação, quinze dias antes da abertura do hotel o gerente-geral brigou com Cortez, e simplesmente abandonou o pais, retornando para a Republica Dominicana, e deixando os executivos que havia trazido a própria sorte, num autentico “salve-se quem puder”.  O resultado não poderia ser mais catastrofico, e o hotel abriu as portas numa situação muita critica.  Embora já havia passado três anos desse episódio quando eu cheguei na Bahia, e muita coisa já tinha melhorado, a verdade e que ainda existia um abismo enorme entre o corpo gerencial e os funcionários, e um clima de desconfiança e ate hostilidade em relação a direcao, que era um contraste grande comparado com o clima organizacional existente nos hotéis do grupo no Rio e São Paulo.  Bem, foi esse o clima que encontrei na Bahia, que eu mesmo fui obrigado a diagnosticar após a minha chegada em Salvador, pois nada disso havia sido me revelado pelo Escritório Central, que provavelmente desconhecia por completo o problema.  Para reverter esse quadro era preciso muito trabalho.  Primeiro,tinha que mudar algumas atitudes dos gerentes e chefes de departamento e comecei proibindo terminantemente qualquer referencia ou comentário pejorativo sobre baianos.  Depois eu, como gerente-geral, tinha que adotar uma postura muito mais participativa de que habitualmente se encontrava num gerente-geral num hotel de grande porte.  Era preciso combinar aspectos de uma hotel bem estruturado, com aspectos de um hotel pequeno, quando o gerente esta literalmente em toda parte.  Consequentemente,  eu fazia questão de andar por todos os cantos do hotel, de manha, de tarde, e de noite.  Andava em lugares nos subterrâneos do hotel onde poucos gerentes haviam andado antes, pois havia ameaças, alguns reais e outras imaginarias, sobre as possíveis consequencias se fizessem.  Era esse o clima de hostilidade a que me referi antes, e nada na minha experiência ate entao se comparava com o clima hostil que encontrei na Bahia.  Felizmente, a experiência adquirida nos tempos de “trainee”, quando passei por todos os setores do hotel, e a facilidade que tinha adquirida para lidar com as pessoas de diferentes níveis hierárquicos, e principalmente de respeitar-los,  foi me ajudando muito.  Com isso, pouco a pouco, fui conquistando a confiança dos funcionários .  As vezes era só um cumprimento, ou um sorriso, e as vezes parava para observar algum trabalho sendo executado, e fazia perguntas sobre o que estavam fazendo.  Depois, quando havia alguma medida disciplinar a ser tomada, agia sempre com isencao, e transparencia.  Tomei as medidas administrativas necessárias para acabar com os atrasos nos dias de pagamento dos salários, coisa habitual no hotel ate minha chegada, e como expliquei aos funcionários, em mais de dez anos de trabalho na companhia, meu próprio salário jamais havia atrasado uma única vez, então como era possível que na Bahia isso fosse habitual? Fizemos um grande esforço para melhorar a qualidade do refeitório, motivo de muitas reclamacoes.  Havia, quando cheguei no hotel,  dois refeitórios, um para os gerentes e chefes de serviço, e outro para os demais funcionários.  Tratamos logo de unificar os dois refeitórios, contra a vontade de alguns gerentes, mas foi uma medida acertada, como depois todos reconheciam.  Criamos o cargo de supervisor dos vestiários, para disciplinar o uso dos mesmos, pois antes só andavam sujos e totalmente depredados.  Fizemos reuniões com os funcionários para conversar sobre os salários, e principalmente sobre a apuracao da taxa de serviço, pois havia muito desconhecimento e desconfiança sobre a forma que a mesma era apurada.  Incentivamos a formacao do time de futebol do hotel, e eu e alguns outros gerentes participavamos em algumas partidas. Com estas e outras medidas, o clima interno começou a mudar para melhor, e depois de alguns meses sentimos uma melhora significativo no andamento do hotel  Era um hotel grande, e ainda havia muitos incidentes inusitados que ocorriam, mas o clima de hostilidade e desconfianca entre a administração e os demais funcionários havia terminado.

domingo, 24 de julho de 2011

De Volta ao São Paulo

        A decepção de não ir para o Rio Othon acabou durando pouco, pois menos de seis meses após este episódio, recebi uma grande promoção ao ser designado gerente-geral do Othon Palace em São Paulo.  Em 1977, o Othon Palace de São Paulo ainda era um grande hotel.  Tinha a classificação de cinco estrelas, e toda a estrutura de um grande hotel, e assumir a gerência-geral desse importante hotel, menos de um ano após regressar para Hotéis Othon demonstrou que a minha carreira estava definitivamente de volta nos trilhos.  Eu tinha acabado de completar 31anos de idade, ainda bastante novo, mas amadurecido pelos acontecimentos dos últimos anos.  Ao chegar no Othon Palace, entretanto, percebi logo que o hotel já não era exatamente o mesmo que eu havia conhecido cinco antes quando eu havia trabalhado la como sub-gerente executivo.  O problema não foi somente a concorrencia representada pela chegada de novos hotéis  -  e haviam vários novos hotéis - mas principalmente pelo deslocamento do “centro” de São Paulo em direcao a Avenida Paulista.  Em consequencia disso, a localização do hotel, antes considerado boa devida a proximidade com o centro financeiro da cidade, passou a ser mal vista, e isto afetava negativamente o movimento do hotel.  Por mais que tentássemos incrementar as vendas, os resultados foram limitados, e quando tínhamos clientes, esses já não eram dos mesmo nível que o hotel tinha antes.  Fomos obrigados a reduzir as diárias e começar a eliminar alguns dos serviços mais sofisticados que o hotel ainda prestava.  Na minha carreira, isto foi a primeira vez que me encontrava na direcao de um hotel “em crise”, e não era uma situação agradável.  O Escritório Central no Rio reclamava dos resultados, mas pouco colaborava com ideias criativas de como o sucesso deveria ser alcançado.  Como as receitas apenas encolhiam, era sobre os custos que tínhamos que nos concentrar, e as lembranças que tenho desse período e de reuniões e mais reuniões para discutir e implementar programas de redução de custos.  Inevitavelmente, isso significava redução de pessoal e eliminação de serviços, e pouco a pouco o hotel ia deixando de ser um verdadeiro hotel de cinco estrelas.  Era, na verdade, o inicio de uma longo periodo de declinio, que lamentavelmente jamais seria revertida ate o hotel finalmente fechar as portas, em 2008, e que veio a reforçar a tese que, em matéria de hotelaria, a localização e crucial. De qualquer maneira, a minha permanência em São Paulo não seria longa. Fazia um ano que estava no hotel quando fui chamado para Rio para uma reunião com o Diretor de Operacoes.  Imaginava que seria mais uma reunião para discutir os resultados do Othon Palace e cheguei no Rio preparado para demonstrar todo o trabalho que havíamos realizado para reduzir os custos operacionais do hotel, mas o assunto não foi esse.  Fui informado que o gerente-geral do Bahia Othon havia pedido demissão e eu fui designado para substituir-lo.  Era outra promoção importante.  O Bahia Othon era um dos hotéis mais importantes da companhia e disputava com o Meridien, o titulo de melhor hotel de Salvador.   Para mim, e para minha família, que agora contava com três crianças pequenas, mudar da Praça Patriarca no frio e poluído centro  de São Paulo, para a praia ensolarado de Ondina, em Salvador, significava uma mudança de agua para vinho.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

De Volta para Hotéis Othon

        Em meados de 1976, com a venda do Hotel Savaroni cada vez mais próxima, comecei a pensar em dar novos rumos para a minha carreira.  Eu estava ansioso para voltar a atuar na área operacional de hotéis, e achava que um retorno para Hotéis Othon seria a melhor forma de retomar minha carreira.  Contactei a empresa , e após pouco tempo de espera fui informado que meu nome estava sendo considerado para o cargo de Gerente Residente no Bahia Othon Palace, um grande hotel de cinco estrelas que havia sido inaugurado há um ano antes. Fui entrevistado pelo gerente geral do hotel, um cidadão alemão, e tudo parecia caminhar bem, mas na hora da decisão, fui informado que a direcao do Othon no Rio havia optado por promover o gerente do Hotel Lancaster para a vaga na Bahia, e de oferecer  a vaga na gerência do Hotel Lancaster para mim.  Fiquei bastante desapontado na hora, pois a vaga no Bahia Othon era bem mais interessante, mas mesmo assim aceitei a proposta sem pestanejar.  No fundo eu estava muito feliz em poder voltar para Hotéis Othon após três anos de ausência, e embora a gerência do Hotel Lancaster não representava um grande desafio, pelo menos eu estaria de volta ao Rio de Janeiro, e dentro de uma grande empresa hoteleira.  E foi assim, em Setembro de 1976, que deixei Pernambuco para assumir a gerência do Hotel Lancaster, no Rio de Janeiro.  O Hotel Lancaster não era muito diferente que o Hotel Castro Alves, onde eu havia iniciado minha carreira gerencial sete anos antes.  A diferença era que estava localizado na Avenida Atlântica e possuía uma pequena restaurante, diferente do Castro Alves, que só tinha serviço de “Room Service”.  O fato de ser vizinho do conhecido Hotel Ouro Verde, hotel muito conceituado na época também era benéfico, pois qualquer “overbooking” do Ouro Verde beneficiava o Lancaster.   Na verdade, o trabalho não era muito exigente, e os dias passavam com uma certa tranquilidade.  Passei a me dedicar mais na parte comercial, e reservava duas tardes por semana para visitar clientes, principalmente empresas, já que estes eram os principais clientes do hotel.  A “Era Cortez” no Othon havia terminado alguns meses antes do meu regresso para a companhia, e Othon estava num processo de reorganização estrutural após a tempestade provocada pela gestão do Cortez.  Havia uma tendência de minimizar ou eliminar as mudanças introduzidas por Cortez e as pessoas que estavam mais ligadas ao Cortez que ainda permaneciam na empresa vistos com uma certa desconfiança.  Como eu era um “produto”, tanto do velho regime, como do “era Cortez”, eu precisava andar atento.  No inicio de 1977 ocorreu outro fato que reforçava esta ideia.  Recebi  um telefonema do Pablo Belloni, o poderoso gerente-geral do Rio Othon, me convidando para um encontro no seu escritório no Rio Othon.  Fui ate la e depois de conversamos um pouco sobre generalidades, o Belloni me disse que estava planejando fazer algumas mudanças na sua equipe gerencial.  Me disse que havia observado meu trabalho no Hotel Lancaster, e que tinha boas referencias sobre meu desempenho anterior em Hotéis Othon, e terminou por me oferecer  o cargo de gerente residente no Rio Othon.  Era uma oportunidade e tanto, afinal de contas o Rio Othon era o carro chefe da companhia, e Belloni era um gerente-geral competente e respeitado.  Aceitei o convite na hora. Conversamos mais um pouco sobre detalhes do cargo, e desafios que eu teria que enfrentar, e as metas que ele desejava alcançar, e ficou tudo combinado.  Belloni me disse que na semana seguinte ele estava viajando de ferias para Chile (ele era chileno), e que ficaria fora por 30 dias.  Disse-me que durante a sua ausência a diretoria de Hotéis Othon iria oficializar tudo, e designar meu substituto no Hotel Lancaster.  Disse-me que ele esperava que eu  já devia estar no Rio Othon quando ele voltasse de ferias, e pediu que eu mantivesse confidencialidade  sobre a conversa ate a Diretoria fazer a comunicação oficial.  Voltei para casa feliz de vida e fiquei aguardando os acontecimentos.  Os dias foram passando e nada aconteceu, nenhuma comunicação, nada.  Após um mês, Belloni voltou de suas ferias e novamente nada aconteceu, mas passado mais uns quinze dias finalmente  recebi um circular da Diretoria informando da promoção de um outro executivo do grupo para o cargo de gerente residente do Rio Othon.  Nunca cobrei explicacoes do Belloni sobre o ocorrido, e nunca mais ele tocou no assunto comigo.  Na época fiquei novamente desapontado, e passei a acreditar que alguém poderoso no Escritório Central estava vetando meu nome para certas posicoes.  Já tinha sentido isso quando sido preterido na escolha do gerente residente para o Bahia Othon, e novamente agora para o mesmo cargo no Rio Othon, e atribui  isso ao fato  de ter integrado  a equipe do Cortez, quatro anos antes.  Visto em retrospecto entretanto, a visão e outra, e agora acredito que em ambas estas ocasiões  um “anjo da guarda” estava me protegendo,  demonstrando mais uma vez que estar no lugar certo na hora certa e fundamental.   E que tanto o Bahia Othon em 1976, como o Rio Othon em  1977 passaram por um período muito conturbado, com muitas mudanças e troca de pessoal.   Em ambos hotéis, tanto o gerente-geral, como o gerente residente acabaram sendo substituídos, e suas carreiras prejudicadas.    E a decepção de não ir para o Rio Othon durou pouco.  Menos de seis meses depois desse episódio, fui promovido para a gerência geral do Othon Palace em São Paulo, um verdadeiro “pulo do gato”, que acabaria me conduzindo para a linha de frente dos gerentes gerais brasileiros.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Recife, Pernambuco

        Com tamanha adversidade na Europa, e com a saúde do meu Pai ainda preocupando, era óbvio que eu deveria permanecer em Brasil, e de preferência, em Recife, pois assim poderia dar mais assistência ao meu Pai e Gracinha.  Comecei a fazer alguns sondagens e logo apareceu uma oportunidade boa, que era trabalhar com um empresário local – sem qualquer experiência anterior em hotelaria – que estava construindo um hotel de luxo numa excelente localização na praia de Boa Viagem, o principal praia de Recife.  O hotel , que havia sido projetado por um jovem e talentoso arquitecto local, teria apenas 70 apartamentos, mas pretendia se diferenciar dos demais hotéis da cidade pelo requinte na decoração, e por oferecer um serviço personalizado de alta qualidade.  Não se usavam este termo na época, mas seria um espécie de “boutique” hotel.  Eu seria responsável por montar toda a área operacional do hotel, recrutar e treinar os funcionários, e ainda de desenvolver o plano de marketing e toda a estratégia de comercializacao do hotel.  A oportunidade era mesmo muita boa, e foi assim que fui trabalhar para o Hotel Savaroni.  A primeira providência foi trazer a minha família de volta ao Brasil, e nos nos instalamos num otimo apartamento de frente para a praia em Piedade, que meu pai usava para o veraneio.  Depois de seis meses enfrentando o frio inverno e o crise económico  na Inglaterra, e ainda mais desempregado, a sensação de estar novamente empregado, e ainda mais morando a beira mar num pais tropical, era maravilhosa. Lamentavelmente, um mês depois que comecei a trabalhar no Savaroni, o estado de saúde do meu Pai novamente piorou,  e ele veio a falecer, ainda jovem com 53 anos de idade, deixando minha madrasta Gracinha viúva e com duas filhas pequenas ainda para criar. Eu estava ao lado do meu Pai na hora de sua morte, e suas ultimas palavras para mim foi uma recomendação para que eu cuidasse das minhas pequenas irmãs, como se fossem minhas próprias filhas.  Espero não ter o decepcionado, e tenho certeza que hoje ele ficaria muito feliz  com o sucesso de ambas, conseguido, diga-se de passagem, graças  sobretudo ao empenho e esforço de Gracinha.

        

        De qualquer maneira, eu já estava instalado com a família em Recife, e agora tinha que me dedicar ao trabalho. O trabalhou no Hotel Savaroni começou  bem e fomos logo desenvolvendo os planos para a pré-abertura do hotel.  Havia muitas reuniões também com os architectos onde íamos acertando os ultimas detalhes da decoração do hotel, e a nossa expectativa era de inaugurar o hotel no inicio de 1975.  Quando tudo parecia correr bem, ocorreu um novo fato que alterou drasticamente os planos – a falta de dinheiro!  O projeto económico-financeiro do hotel havia sido desenvolvido contando com financiamentos do BNB – Banco do Nordeste do Brasil, e BANDEPE – Banco do Estado de Pernambuco, e contava com a entrada de recursos do empreendedor.  Uma parte desses recursos próprios era representada pelo valor do terreno em que o hotel se situava, mas alem disso era previsto outros aportes de recursos próprios, e quando isto não aconteceu, os bancos oficiais deixaram de liberar parcelas de financiamento.  Com isso, as obras no hotel foram praticamente paralisados, e em vez de cuidar dos planos operacionais do hotel, me vi cada vez mais envolvido com negociacoes com os bancos, e com os credores, que eram muitos.  Para piorar ainda mais a situação, o empreendedor pernambucano teve um problema de saúde que o deixou praticamente afastado da empresa por um período de quase seis meses. Na ausência dele,  passei a ser a pessoa que se relacionava diretamente com os bancos oficiais.  Para mim, esta  experiência acabou sendo otima, e  acabei aprofundando meus conhecimentos da área financeira, alem da condução de um empreendimento no seu todo.  Havia ficado claro, nas primeiras reuniões com os bancos, que o problema de financiamento não ficaria resolvido caso não houvesse  uma troca no controle acionario da empresa, ou então um aporte de recursos num montante superior ao que o empreendedor pernambucano dispunha.  Infelizmente, o empreendedor não aceitava esta solução, preferindo acreditar que contactos políticos poderiam solucionar o impasse.  Passou-se vários meses, e nada se resolvia.  Finalmente, o empreendedor aceitou negociar o controle acionario, e poucas semanas depois o hotel foi vendido para um forte grupo empresarial pernambucano.  Esse novo grupo desejava que eu continuasse a frente da operação do hotel, mas nesta altura eu já havia decidido retomar minha carreira hoteleira convencional, e estava feliz por ter conseguido um novo emprego em Hotéis Othon no Rio de Janeiro, onde retornaria após um intervalo de quase três anos.  Apesar das dificuldades, os dois anos e meio que havia passado em Pernambuco foram muito proveitosos.  A qualidade de vida que desfrutamos era muito boa, tínhamos muitos amigos, e o convívio com a família de Gracinha muito gratificante.  Alem disso, eu havia aprendido a jogar golfe, esporte que ate hoje pratico. E tinha voltado a estudar.  Como era complicado validar minha diploma inglesa no Brasil, havia feito o curso supletivo do segundo grau e obtido o diploma de conclusão do curso secundário.  Havia também passado no vestibular, só não me matriculando no curso de Economia em função da minha mudança de volta para  o Rio.

sábado, 16 de julho de 2011

Uma Odisseia Europeia

         Cheguei em Londres no começo de Novembro.  O inverno já havia chegado e fazia muito frio.  No segundo dia que eu estava la cai na cama com um febre de quase 40 graus,  O medico foi chamado e diagnosticou um forte gripe, mas ainda me colocou sob observação caso eu estava acometido de alguma doença tropical.  Levei uma semana para me recuperar  do gripe.  Não foi um bom começo, mas a situação ainda iria piorar muito. E que em 6 de Outubro de 1973, totalmente inesperadamente, forcas egípcias e sírias haviam invadido a península do Sinai, iniciando o que veio a ser conhecida como a “Guerra do Yom Kippur”, entre as forcas árabes e Israel.  A guerra resultou numa derrota para as forcas árabes mas estes, em represália ao apoio que a  Europa e Estados Unidos haviam prestados a Israel, decretaram um embargo de petróleo e provocaram a primeira grande crise de petróleo no mundo, jogando toda a Europa e boa parte do mundo numa recessão.   Na Gra Bretanha,  a situação ficou ainda pior porque o governo conservador da época  se encontravam numa disputa ferrenho sobre revindicacoes salariais com o poderoso sindicato dos mineiros de carvão, e o embargo de petróleo  caiu como uma luva para os sindicalistas, que aproveitaram para aumentar ainda mais as suas exigências.  O governo tentou negociar uma saída, mas o sindicato foi irredutível, não abria mão de nenhuma exigência.  Com os estoques de carvão acabando, e sem contar com o petróleo do Oriente Medio, o pais estava ficando sem energia.  O governo então decretou um serie de medidas de emergência, incluindo cortes de fornecimento de energia, e suspensão de atividades não-essenciais, e por fim decretou a “semana de três dias” que determinava que todas as industrias so poderiam trabalhar por três dias durante a semana.  Era uma medida extrema, tomada com a intenção de conservar o que podia dos estoques de carvão, mas teve um efeito avassalador sobre a economia do pais, com prejuízos estimados em um bilhao de libras por semana.  Na primeira semana de vigência do decreto, 800 mil pessoas perderem seus empregos, e em pouco tempo havia mais de três milhões de desempregados.   O efeito para a hotelaria de Londres  foi catastrofico.  Todas as empresas suspenderem viagens de empregados e as fotos de Londres que corriam o mundo, mostravam lojistas trabalhando com luz de vela e agasalhados ate o pescoço por causa do frio, pois não havia aquecimento nas casas, e isto afastava totalmente os turistas estrangeiros.  Os hotéis, antes habituadas a ocupacoes na casa dos 80%, estavam com menos de 20% de ocupação.  Foi neste cenário que cheguei procurando emprego.    Em hotel após hotel, ouvi a mesma historia.  “Sinto muito”, me disse a Diretora de Recursos Humanos de um grande hotel que antes havia praticamente me garantida um emprego, “mas já tivemos que demitir  40% do nosso efetivo e temos ordens expressas da matriz que todas as novas contratacoes estão suspensas”, “Mas eu vim do Brasil, contando com esse emprego”,  “Eu sinto muito”, foi a resposta, “mas você volta quando esse crise passar”.  Pelo menos eu estava hospedado na casa dos meus avós, e não passava fome, mas na medida em que as semanas passavam, e nada melhorava, comecei a ficar preocupado.  No final do ano nada havia mudado e fui passar o Natal e Reveillon com minha família em Viena.  Em Janeiro, voltamos todos para Inglaterra,hospedados na casa dos meus avós no norte da Inglaterra.  A situação no pais continuava critica, mas finalmente, no inicio de marco de `74 recebi um telefonema animador do Diretor de Penta Hotels em Londres, que me disse “Olha, tenho uma posição interessante para você.  Não e exatamente o que você queria, por que não e na Inglaterra, e para Lisboa, Portugal.  Nos estamos construindo um hotel de 600 apartamentos em Lisboa, que deve ficar pronto em Outubro deste ano,  e precisamos de um gerente residente, que se reportara diretamente ao gerente-geral.  Ja nomeamos o gerente geral, que e um cidadao alemao muito experiente, mas  nao fala portugues. Com seu curriculum, e com sua fluência em português, você e a pessoa perfeita”  Ele  me deu mais algumas informacoes sobre o salário e os benefícios oferecidos, e perguntou “Voce aceita?”  E claro que aceitei na hora, pois não estava em condicoes de negociar nada, e alem disso era um emprego  interessante, e ir para Lisboa não seria nada ruim.  “Otimo”, disse o diretor.  “Voce começa em Abril.  O gerente-geral esta vindo para Londres dentro de 15 dias, e ai você vem para conhece-lo, e acertar os ponteiros sobre moradia em Lisboa antes do hotel ficar pronto.”  A noite saimos para comemorar a boa noticia, pois finalmente eu estava vendo a luz no fim do túnel.  Infelizmente, foi so uma ilusao.  Três dias depois, recebi um telefonema urgente da minha madrasta, Gracinha, de Recife.  Eram noticias preocupantes sobre o estado de saúde do meu Pai.  Em Janeiro, ele havia sido operado com urgência em São Paulo, pois os médicos haviam diagnosticado um câncer de pulmão, mas agora a noticia era que havia formado um tumor no cérebro e meu Pai estava muito mal num hospital de Recife.  Eu era o filho mais velho, e Gracinha pedia minha presença em Recife.  Liguei para o Diretor do Penta Hotels, e expliquei a situação.  Ele foi compreensivo, e sugeriu que na volta de Recife eu pegasse um avião que fizesse escala em Lisboa, pois assim eu visitaria o local da obra do hotel e conheceria o gerente-geral “em-loco”, e com isso resolvido, viajei para Recife.  Chegando la, era como se estivesse entrando num outro mundo.  A crise, que havia afetada toda a Europa, ainda não havia chegado ao Brasil.  Ainda se vivia os últimos momentos do “milagre brasileiro”, e o contraste com Europa não podia ser maior. Aparentemente, a minha chegada em Recife fez bem ao meu Pai porque aos poucos ele  foi melhorando, e uma semana após a minha chegada já estava em condicoes de voltar para casa.  Com isso, fiz planos para voltar para Europa, e acertei a minha viagem de volta, já passando por Lisboa.  Na véspera da minha viagem de volta, entretanto, meu Pai teve uma recaída, e voltou a ser hospitalizado, e tive que adiar a minha volta, ficando mais alguns dias em Recife.  Essa situação se repetiu mais uma ou duas vezes, ate chegar em meados de Abril, quando senti que o pessoal do Penta já começava a se impacientar com minha demora em voltar.  Expliquei a situação para Gracinha, e disse-lhe que teria que voltar de qualquer maneira para Europa, pois caso contrario corria o risco de perder a oportunidade em Lisboa. Consequentemente,  marquei minha viagem para 26 de Abril de 1974.  Acertei tudo com o pessoal da Penta, e o gerente-geral me disse que mandaria seu carro me buscar no aeroporto de Lisboa.  Na manha do dia 25, eu estava sentado no jardim da casa do meu Pai, pegando um pouco de sol enquanto lia um livro e ouvia musica num radio de pilha.  De repente, a programação musical do radio foi interrompido com um boletim de noticias,  “Tropas rebeldes avançam sobre a sede do governo português.  Declarado toque de recolher em toda a capital.  O aeroporto de Lisboa esta cercado por tropas rebeldes”.  Era 25 de Abril de 1974.  A “Revolucao dos Cravos”, um golpe de estado militar que derrubou o regime ditatorial Salazarista havia iniciada, criando uma grande turbulência social, politica, económica, e militar no pais, que iria durar alguns anos.  O projeto da construção do Hotel Penta foi abandonada, e com isso, a minha ida para Lisboa, assim como a minha volta para Europa, estava definitivamente encerrada.

sábado, 9 de julho de 2011

Arrumando as Malas

         Apesar dos ocasionais “atrapalhadas” do Capelesso, a experiência que adquiri neste período foi  muito valioso para o desenvolvimento da minha carreira.  Visto em retrospecto, percebo que  a minha formação básica foi adquirida na escola clássica e conservador ate então adotado pelo grupo Othon, mas a experiência que adquiri  trabalhando junto a três gerentes gerais estrangeiros, todos com grande experiência em grupos internacionais, serviu como um espécie de pós-graduação que me preparou para a hotelaria “moderna”, voltado para a obtenção de resultados, que começou a predominar a partir da decad de `70 em diante.  A vantagem de ter pertencido ao “grupo” do Cortez foi particularmente enriquecedor devido a grande e variada experiência que ele possuía, e pelo fato que ele gostava de compartilhar com “seu” grupo esta experiência.  Era uma época de muitas mudanças, pois Cortez estava determinado a implantar uma filosofia de trabalho completamente nova, e insistia em só contratar gerentes gerais com experiência em cadeia multinacionais, o que significava trazer pessoas do exterior, já que no Brasil neste tempo os multinacionais ainda não haviam chegados.   Era uma fase de transição necessário, não apenas porque chegava no Brasil grandes hotéis multinacionais, mas porque o Othon também estava ampliando a rede, e contruia, simultâneamente, três hotéis de grande porte, que seriam o Rio Othon Palace, o Bahia Othon Palace, e o Belo Horizonte Othon Palace, todos inaugurados na segunda metade da década de `70.  Apesar de necessário, era um processo doloroso, e provocava muita insatisfacao entre os gerentes e funcionários mais antigos, que eram prestigiados na gestão antiga, mas ignorados e ate hostilizados  no regime Cortez.  Eu  era um dos poucos dos “antigos” que  haviam feito a transição do regime antigo para o regime novo,  e tinha que ter muito cuidado para não ferir susceptilidades dos mais antigos, com quem eu me dava bem, mas que faziam muitas criticas veladas ao estilo do Cortez.  De qualquer forma, fazer parte do “inner circle” da equipe do Cortez traziam muitas vantagens e acabou me dando uma visão internacional  e moderna de hotelaria, sem ter saído do Brasil, e que seria muito útil para o meu futuro.  Já para o final de 1973, e ate por causa da “visao internacional” adquirido com a convivência com Cortez e os demais estrangeiros que faziam parte de sua equipe, passei a me interessar muito a ideia de trabalhar em Londres,na Inglaterra.  Já fazia nove anos que eu havia deixado minha terra natal, e embora eu havia feito duas viagens de ferias para la, as saudades eram grandes.   A  imagem que eu tinha da Inglaterra ainda era da “Swinging London” dos anos `60.  Era a época do do apogeu dos Beatles e dos Rolling Stones, e outras bandas de sucesso.  Era o Londres da moda jovem, de Mary Quant, da mini-saia, e Carnaby Street. dos anos `60 , e eu achava que trabalhar por la seria muito bom.  Mandei meu curriculum para vários  hotéis londrinos e recebi muitas respostas animadoras, incluindo duas ofertas certas de emprego.  Foi o suficiente para me convencer a  pedir demissão do Othon e tentar a sorte por la.  Cortez ainda tentou me convencer a mudar de ideia, mas eu estava decido, e em Outubro de 1973 embarquei num voo da Lufthansa rumo a Viena, na Áustria.  Iria deixar minha esposa e dois filhos pequenos na casa dos meus sogros em Viena, enquanto eu seguia para Londres para acertar o novo emprego.  O “timing” não poderia ter sido pior,mas esta historia fica para o próximo capitulo.