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quinta-feira, 11 de setembro de 2014

A Ultima Etapa

Em meados de 2009 conseguimos a luz verde da diretoria e de alguns membros do Board da Orient-Express para prosseguir nos estudos de viabilidade para o que seria a ultima etapa das reformas do Copacabana Palace. Estas obras eram essenciais para preparar o hotel para a concorrência que viria, e se tornaram mais importantes ainda em outubro de 2009 quando a cidade recebeu a indicação para sediar os jogos olímpicos de 2016.  Finalmente, as obras representariam uma marca importante por finalmente cumprir o objetivo determinado por James Sherwood em 1989, de reformar completamente o hotel e de torna-lo o melhor hotel da América do Sul.  Embora tínhamos um sinal verde, sabíamos que ainda  teríamos muito trabalho pela frente antes que as obras pudessem começar.  Primeiro tínhamos que desenvolver o projeto arquitetônico e conseguir as aprovações para as obras na Prefeitura e junto aos órgãos de Patrimônio Histórico.  E não se tratava de uma obra de reforma qualquer, pois o projeto previa a virtual reconstrução de dois andares, totalizando 55 apartamentos , por um custo por apartamento estimado em US$150 mil.  Além disso, o projeto previa intervenções de menor porte em mais 60 apartamentos, e a completa reforma de cada uma dos sete famosas suítes de cobertura.  No caso do Patrimônio Histórico, o processo de aprovação foi complexo pois nosso projeto previa a ampliação do espaço do Lobby do hotel em 60%, principalmente em função da nossa vontade, e da necessidade legal, de cumprimos com as leis de acessibilidade para pessoas portadores de deficiências existentes no âmbito federal, estadual, e municipal.  Em se tratando de um prédio construído em 1923, muito antes de existir qualquer preocupação neste sentido, e considerando que o prédio está tombado pelo patrimônio histórico, o desafio foi grande.  Felizmente, contamos com a boa vontade e com a orientação dos técnicos do patrimônio histórico, e após alguns ajustes ao projeto foi possível encontrar soluções que atendiam a todos.  Paralelo a este trabalho tivemos que elaborar um detalhado “business plan” que permitiria a aprovação formal do projeto por parte do Board, pois afinal de contas tratava-se de um investimento de mais de US$20 milhões.  Antigamente, bastava que o James Sherwood estivesse de acordo com as obras e ele tratava de obter a aprovação formal junto ao Board, mas sem Sherwood, o processo de aprovação foi bem mais complexo, e demorado. Inicialmente havíamos planejado realizar as obras durante a baixa estação de 2011, mas, em meados de 2010, o Board decidiu adiar as obras por mais um ano.  Esta decisão foi facilitada pelo atraso já constatado na reforma do Hotel Glória  e o Board  preferiu aguardar mais um ano de bons resultados do Copa enquanto os demais hotéis do grupo ainda se recuperava da crise financeira mundial de 2008.  De fato, tanto o ano de 2010 como de 2011 foram excelentes para o Copa, com o hotel estabelecendo novos recordes de lucratividade a cada ano que passava, além de consolidar a sua posição como sendo o hotel mais lucrativo da companhia.   

Quando tudo parecia andar bem para que as obras acontecessem em 2012, fomos surpreendidos, em julho de 2011, pela súbita renuncia, por motivos pessoais, do CEO do Orient-Express, Paul White, justamente a pessoa que mais havia apoiada nosso projeto, desde o início.  Esta mudança inesperada trouxe novos desafios, entre os quais a necessidade de defendermos mais uma vez a realização dos investimentos pretendidos. O problema era dificultado porque com as constantes mudanças na composição do Board do Orient-Express, poucos membros tinham um conhecimento profundo da realidade do Copacabana Palace, nem do mercado hoteleiro do Rio de Janeiro, e nem do Brasil.  Sabiam, entretanto, que o Copacabana Palace era o hotel mais lucrativo da companhia, e sabiam do potencial futuro do hotel com o crescimento de demanda esperada antes, durante, e após os grandes eventos esportivos programados para acontecer.  E sabiam também que o Copacabana Palace tinha um “track record” invejável no cumprimento do retorno nos investimentos realizados ao longo dos anos. Para a execução dessa fase das reformas, seria necessário fechar o prédio principal do hotel por um período de quatro meses, e foi um grande desafio demonstrar para o Board, e seu comitê de investimentos, que o fechamento do prédio principal do hotel durante quatro meses (que corresponderiam a baixa estação entre maio e setembro) não teria um efeito catastrófico nos resultados financeiros do ano de 2012 como um todo.  Outra dificuldade era demonstrar para os membros do Board, muitos dos quais nem conheciam o Brasil, que os preços cotados para a reforma eram compatíveis com a realidade brasileira, já que, principalmente para os americanos, os preços pareciam ser astronômicos, como eram mesmo, e ainda mais com o dólar cotado a R$1,60.    Felizmente, todos os obstáculos foram superados, e as obras foram confirmadas para acontecer em 2012.  Havíamos programado para iniciar as obras no início de maio, assim que terminasse a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, mais conhecida como o Rio+20.  Infelizmente, este evento foi adiada por duas vezes, sendo finalmente realizado entre 13 e 22 de junho de 2012.  Como não dava para fechar o hotel na véspera da realização de um evento que contava com a presença de chefes de estados de 190 países, mais de vinte dos quais hospedados no Copa, tivemos que adiar o início das obras para o final de junho.  Mesmo assim, as obras foram todas terminadas até o final de novembro e no 12 de dezembro de 2012 o prédio principal foi oficialmente reaberta com uma grande festa para mais de 1500 convidados, entre os quais, eu e minha esposa, Nara.  É que em março de 2012, eu havia comunicado ao cúpula da Orient-Express da minha decisão de deixar a empresa para desfrutar da minha aposentadoria.  Para mim, a conclusão das obras de reforma representava o fim de um ciclo, e a conclusão de um desafio que havia levado 23 anos para realizar.  Dali em diante, caberia a outros responder pelos destinos do Copacabana Palace.  Felizmente, eu havia preparado a minha sucessão cuidadosamente, como contarei num futuro capítulo.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

O Bar do Copa

Voltando um pouco na história das reformas do Copacabana Palace, a construção do luxuoso Spa do Copa, realizado ao longo do ano de 2007 e inaugurado no ínicio de 2008, permitiu a transferência do Fitness Center do local que ocupava ao lado da piscina para o espaçoso sub-solo do prédio do Spa.  Esta transferência do Fitness Center abriu a oportunidade para revindicamos a volta do outrora famoso “Bar do Copa”, que havia sido extinto desde 1991, quando se criou o novo corredor de acesso ligando o prédio principal à piscina, e dos banheiros sociais que atendem ao restaurante Pérgula.  Desde então, o Copa não tinha tido um tradicional bar de hotel, embora quem quisesse tomar um drink tinha a opção de utilizar a área externa da Pergula, ao lado da piscina. A abertura do restaurante Cipriani em 1994, com um bar acoplado ao restaurante supriu parcialmente esta falta, mas alguns clientes ainda reclamava da falta de um bar tradicional.  O maior problema que tínhamos para realizar este desejo era de convencer James Sherwood que um bar poderia ser rentável.  Por alguma estranha razão, o Sherwood estava convencido que todos os bares de hotéis eram deficitários, e era muito difícil convencê-lo do contrário.  Por sorte, um ano antes, o hotel do Orient-Express em Cape Town, o Mount Nelson, havia montado um moderno “champagne bar” que tinha virado um grande sucesso na cidade, atraindo para o mais tradicional hotel da cidade um público mais jovem.  Foi justamente utilizando o exemplo bem sucedido do Mount Nelson que conseguimos convencer Sherwood  que um novo Bar no Copa seria viável, e assim o projeto foi adiante.  Como sempre acontecia nos projetos de reforma, foi o Sherwood que pessoalmente determinou quem seria o decorador responsável pelo projeto, e ele indicou Graham Viney, o mesmo decorador sul-africano que havia projetado o Bar do Mount Nelson.  Estavamos em junho de 2007, e o Sherwood estava há poucos dias de deixar o comando do grupo, portanto o Bar do Copa acabou sendo o ultimo projeto do grupo Orient-Express diretamente influenciado por ele.   Mesmo com o sinal verde de Sherwood, ainda havia um caminho longo pela frente até definir todos os detalhes do projeto e obter as licenças da prefeitura e do patrimônio histórico, mas finalmente as obras foram iniciadas em meados de 2008, e concluídos no primeiro trimestre de 2009.

Quando o Bar do Copa abriu para o público, era de longe o mais sofisticado e requintado bar da cidade.  Com um investimento de R$4 milhões, e decoração arrojada, ocupava um espaço de aproximadamente 250 metros quadrados.  Um dos pontos altos da decoração foi o teto com milhares de lâmpadas led que imitavam as estrelas no céu do hemisfério sul, mas o que mais chamava atenção era o enorme balcão de mosaico de vidrotil dourado com tampo de ônix iluminado, que ocupava toda o parede de fundo do local.  Além disso, haviam pilares iluminados que mudava de cor, lustres sputnik, e um tratamento acústico com estrutura box-in-box.  O requinte não ficava limitado à decoração, pois toda o material operacional, dos copos aos talheres aos uniformes dos funcionários – estes escolhidos à dedo – eram de linhas exclusivos.  O cardápio de drinques era também sofisticado, com os drinques levando os nomes de personalidades que haviam se hospedado no hotel, como Rita Hayworth, Brigitte Bardot, Carmen Miranda, Mick Jagger, etc.   Havia também um cardápio de tapas preparadas especialmente pelo famoso Chef do Cipriani, Francesco Carli, e servidos em pratos dourados que combinava com a decoração.  Havia também uma programação musical, com apresentações de shows com artistas brasileiros e ocasionalmente estrangeiros, e após meia-noite, entrava um DJ com música mecânica para dançar.  O objetivo era de atrair um público refinado, primordialmente na faixa etária entre 35 e 55 anos de idade, além dos hóspedes do hotel.  Na prática, não foi nada disso que aconteceu.  Após cinco ou seis meses de funcionamento, e não obstante todos os esforços promocionais agendados, já tínhamos a clara visão que o público alvo não iria atender às nossas expectativas.  Em contrapartida, o público jovem, com idade inferior a 25 anos, passou a lotar a casa, principalmente nos finais de semana.  É claro que este público jovem não estava muito interessado em ouvir boa música popular brasileira ao vivo, e nem tomar drinques sofisticados, eles vinham para dançar e ouvir os DJ’s da moda tocar os últimos sucessos, e tomar vodka com Red Bull, para animar a noite.  Não era nada disso que queríamos, mas por um outro lado, precisávamos recuperar o investimento feito na construção do Bar, e resolvemos re-estruturar todo o funcionamento do Bar, que passou a funcionar basicamente de quinta-feira a sábado, de meia-noite às 5 horas da manha, para um publico essencialmente jovem, que pagava ingressos na porta para entrar.  Embora distante do nosso “business plan”, este modelo de funcionamento demonstrou ser altamente lucrativo, de modo que já em 2011 haviamos recuperado todo o investimento inicial.  Foi quando comunicamos à matriz da companhia em Londres que teríamos de encontrar uma nova função para o Bar do Copa, que em vez de ser um sofisticado lounge bar para ouvir boa música brasileira havia se transformado numa casa noturna para quase-adolescentes, criando um conflito insolúvel com a marca  Copacabana Palace.  O Bar da Copa, para alívio de muitos na direção do hotel, finalmente fechou as portas para o público no início de 2013, para dar lugar às obras de instalação do restaurante pan-asiático Mee, inaugurado em fevereiro de 2014.  Pode ser que o novo restaurante não seja tão movimentado quanto foi o Bar do Copa, e possivelmente nem tão lucrativo também, mas certamente tem muito mais a ver com o público que frequenta o Copacabana Palace.  E quanto a um tradicional Bar para o Copa,  será que o James Sherwood tinha razão desde o começo?

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A Crise Financeira de 2008

A crise financeira mundial de 2008, que teve como fato mais dramático o pedido de concordata do conhecido banco de investimentos americano Lehman Brothers teve imediatas consequências  para o grupo Orient-Express.  Embora no ano como um todo o grupo ainda apresentou um lucro operacional de US$125M, o ultimo trimestre do ano tinha sido uma perda total, e as vendas no primeiro trimestre de 2009 demonstraram uma queda de 22% sobre  o mesmo trimestre de 2008.  As ações do grupo na bolsa de Nova York despencaram para níveis jamais vistos provocando uma enorme erosão de riqueza para os acionistas.  Mais grave ainda era o fato que a dívida de Orient-Express com os bancos andava por volta de US$800 milhões, pois era através de empréstimos bancários que o grupo financiava seu crescimento.  Até então esta dívida era considerada compatível com o tamanho da companhia, levando em conta seus ativos e expectativas de lucros operacionais, mas agora, com os bancos sofrendo um crise de liquidez, os bancos  passaram a exigir uma redução nas linhas de crédito.  Mas com os lucros em queda livre e as operações hoteleiras não produzindo o cash-flow necessário, de onde viria o dinheiro?  Diante da situação crítica, o Board do Orient-Express tomou a única opção disponível que era de vender alguns dos seus hotéis, principalmente três ou quatro dos hotéis menores, mas também incluindo hotéis mais conhecidos como o Lapa Palace em Lisboa, e o Windsor Court em New Orleans.  Felizmente, foi possível encontrar compradores para todos eles, mesmo num mercado recessivo.  De todos os hotéis vendidos, o que provocou mais tristeza foi a venda do Windsor Court em New Orleans.  Com seus 300 suites, o Windsor Court era um dos maiores e mais luxuosos hotéis do grupo e durante boa parte da década de ’90 tinha sido o hotel mais lucrativo da companhia.  Em vários ocasiões o hotel havia sido escolhido como o melhor hotel dos Estados Unidos, na pesquisa anual realizada junto aos seus leitores pela prestigiosa revista Conde Nast Traveller e era de longe o maior símbolo da marca Orient-Express no mercado americano.  Infelizmente, entretanto, a cidade de New Orleans tinha sido duramente castigada pela catastrófica inundação sofrida após a passagem do furacão Katrina em 2005, que obrigou a cidade a ser evacuada pelos seus moradores e provocou prejuízos estimados em mais de US$100 bilhões.  O prejuízo para o hotel foi tanto que mesmo quatro anos depois, o Windsor Court ainda era uma mera sombra do hotel que um dia tinha sido.   Como não podia deixar de acontecer, aqui no Brasil havia muita especulação quanto a possível venda do Copacabana Palace, e mal passava uma semana que não havia alguma nota publicada na imprensa neste sentido, sempre desmentida pelo Orient-Express. Como Paul White, o CEO da companhia me assegurava “Prefiro vender a companhia inteira do que vender o Copacabana Palace”.  É que o Copacabana Palace, junto com o Cipriani de Veneza, e o Grand Hotel Europa de São Petersburgo eram os hotéis mais lucrativos da companhia, e além disso são considerados ícones mundiais e com isso agregavam valor aos demais hotéis do grupo.  Felizmente, nunca foi preciso vender nenhum dos “flagships”do Orient-Express, pois além de vender alguns hotéis, o grupo ainda levantou mais de US$400 milhões lançando mais ações no mercado acionário com preços variando entre US$5 e US$10,  diluindo os demais acionistas no processo.  No final, a companhia estava salva, e continuava independente, mas o custo tinha sido pesado.

Enquanto a matriz de Orient-Express e boa parte da companhia estavam mergulhadas numa crise sem precedentes, o Copacabana Palace continuava de vento em popa como se nada estivesse acontecendo.  O lucro operacional em 2008 bateu um novo recorde, chegando a US$15,3M, um aumento de 15% em relação ao ano anterior, e mesmo em 2009, quando o hotel apresentou um ligeiro recuo no lucro operacional para US$14,5M, o “performance” do hotel foi de longe o melhor entre todos os hotéis da companhia.  A razão principal para estes resultados excepcionais era o aumento expressivo no número de hóspedes brasileiros, que mais que compensavam a redução de hóspedes europeias e americanos, aliado ao excelente movimento do departamento de alimentos e bebidas.  Em hotelaria, é rara que a receita de alimentos e bebidas atinge 50% da receita de hospedagem, mas no Copacabana Palace, em 2009, a receita de alimentos e bebidas representou 86,5% da receita de hospedagem.  Se as coisas já andavam bem para o Copacabana Palace, logo iriam melhorar mais ainda, com o anuncio, em outubro de 2009, que a cidade de Rio de Janeiro havia vencida a disputa para sediar os Jogos Olímpicos de 2016.  O efeito positivo deste anuncio para a hotelaria da cidade foi instantâneo, com um imediato aumento na demanda de hospedagem, principalmente vindo do mercado interno.  Com tantas notícias positivas, não é de estranhar que o Board do Orient-Express continuava a aprovar nossos planos de investimento.  Em janeiro de 2009 já havíamos inaugurados o “Bar do Copa” e durante o primeiro semestre de 2009 reformamos e modernizamos totalmente os apartamentos de fundo do Anexo, ampliando o hotel em mais 20 apartamentos no processo.  Em junho de 2009, o Board de Orient-Express realizou uma reunião de rotina no Hotel das Cataratas em Foz do Iguaçu, e toda a diretoria e vários membros do Board depois vieram para Rio de Janeiro.  Foi a oportunidade que queríamos para apresentar nosso plano para finalmente terminar as reformas do prédio principal do hotel.  Era uma obra complicada, pois envolvia a ampliação de 60 banheiros e a reforma completa de 90 apartamentos, além do aumentar o espaço da Recepção do hotel em mais de 60%, e só poderia ser realizado com o fechamento completo do prédio principal do hotel por um período de quatro meses.  Alguns membros do Board estavam hesitantes, principalmente em função do impacto que o fechamento do prédio principal teria nos resultados do hotel, e alguns membros da diretoria achavam que o Copa já estava levando uma fatia desproporcional dos recursos da companhia destinados a novos investimentos, em detrimento aos demais hotéis, alguns dos quais estavam há anos na fila. Tínhamos, entretanto,  uma “carta na manga” que acabou sendo o argumento decisivo a nossa favor, que foi a compra do Hotel Glória pelo empresário Eike Batista,  dono do oitava maior fortuna do mundo, segundo a lista da revista Forbes, e o anuncio feito pelo mesmo que pretendia transformar o Hotel Glória num hotel de seis estrelas para figurar entre os cinco melhores hotéis do mundo.  Diante de tamanha ameaça a hegemonia do Copa, não havia como não aprovar o investimento solicitado.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

O Começo do Fim para Orient-Express Hotels

Se o ano de 2006 foi marcado pelo sucesso do Show dos Rolling Stones na praia de Copacabana, o ano também foi excelente tanto para o Copacabana Palace, como para o grupo do Orient-Express como um todo.  No caso do Copacabana Palace, a conclusão da reforma dos salões do antigo casino, e a sua transformação no espaço mais elegante da cidade para a realização de eventos sociais e corporativos fez que o lucro operacional do hotel atingisse um novo recorde de US$13,5M, um aumento de 30% sobre o ano anterior, enquanto o lucro operacional do grupo Orient-Express também atingisse um novo recorde de US$138M.  O ano de 2007 também começou de uma forma promissora e tudo fazia crer que teríamos um ano melhor ainda pela frente, mas todo este cenário otimista foi repentinamente abalado por um serie de acontecimentos que viriam, em relativamente pouco tempo, a transformar o grupo Orient-Express para sempre.  O primeiro deles foi o anuncio que o fundador e Chairman do grupo, James Sherwood, deixaria seu cargo de Chairman em meados de 2007, e apesar que continuaria a fazer parte do Board, não teria a partir de então qualquer responsabilidade executiva na condução dos negócios da empresa.  Se isto não bastasse, logo depois, foi anunciado que Simon Sherwood, o CEO da companhia desde 1994, também estava demissionário, e que o Board havia iniciado o processo de recrutar um substituto.  É impossível sobre-estimar a importancia que James Sherwood representava para o grupo Orient-Express.  Para todos os fins e efeitos, o James Sherwood era o próprio Orient-Express.  Não apenas ele havia iniciada a criação da companhia ao adquirir o Hotel Cipriani de Veneza em 1976, e re-inventado o trem Orient-Express em 1982, como havia estado pessoalmente envolvido na aquisição de todos os 50 propriedades, localizados em 25 países, que em 2006 faziam parte do grupo Orient-Express.  Além disso, era a sua visão de que representava o luxo e o refinamento em hotelaria que formava a própria cultura corporativa do grupo.  Todos os projetos de reforma em todos os hotéis eram liderados por ele, que não só escolhia pessoalmente quem seriam os arquitetos e os decoradores de interiores, como era ele quem aprovava e acompanhava todas os projetos.  Embora ele não tinha condições de se envolver diretamente nos assuntos operacionais dos hotéis, era inconcebível a nomeação de qualquer gerente-geral de qualquer unidade do grupo, sem primeiro contar com a sua imprescindível aprovação.  Como eu às vezes brincava com os executivos do Copacabana Palace,  “Isto aqui se chama Sherwood Futebol Clube.  Manda quem pode, e obedeça quem tem juízo.” 
Para compreender o que se passou com Sherwood, é preciso entender as mudanças que foram impostas ao mundo corporativo americano após o escândalo provocado pela falência da empresa americana Enron em 2001, que resultou em nova legislação na forma da lei Sarbanes-Oxley.  Esta lei, instituída em 2002, mudou radicalmente a administração das empresas públicas americanas, e aquelas, como Orient-Express, que tinham suas ações negociadas na bolsa de valores de Nova York.  Entre as diversas mudanças introduzidas pela nova lei, incluía-se uma maior autoridade atribuída aos chamados diretores “independentes”, aqueles nomeados pelos acionistas e sem vínculos com a administração.  Até o advento da lei Sarbanes-Oxley, o Sherwood controlava totalmente o Board, já que todos os seus membros foram nomeados por ele, e isto fazia que o Sherwood tinha um poder enorme.  Aqui no Brasil, por exemplo, quase todos acreditavam que o Sherwood era o “dono” do Orient-Express – e por extensão, do próprio Copacabana Palace - ou, pelo menos, seu maior acionista, o que não era o caso.  A perda do controle sobre o Board, provocado pelo menos em parte pela nova lei, foi o motivo do ocaso do James Sherwood na empresa que ele mesmo havia fundado, e conduzido com mão-de-ferro durante mais de 30 anos. Teve um outro fato que possivelmente influenciou a decisão do Board,  que foi o pedido de concordata em 2006 da empresa mãe da Orient-Express, a Sea Containers.  O Sherwood havia deixado o cargo de Chairman da Sea Containers em 2005, quando a empresa já enfrentava problemas financeiros, e no final de 2005 havia vendido todas as suas ações na empresa, mas a concordata e subsequente liquidação da empresa que Sherwood havia fundada em 1965, e com a qual fez sua fortuna, provavelmente pesou na decisão de afastá-lo da direção de Orient-Express.
A iminente saída de James Sherwood como Chairman e de Simon Sherwood como CEO fez que o Orient-Express operasse num vacuô  de poder ao longo do primeiro semestre de 2007.  Para complicar mais ainda a situação vários dos vice-presidentes da companhia se apresentaram como candidatos ao cargo de CEO, criando uma ferrenha disputa interna.  Na medida que suas candidaturas iam sendo descartadas, pelo menos três desses vice-presidentes também apresentaram suas renuncias, entre eles o CFO, o Paul White.  Enquanto isto acontecia o Board, auxiliado pelos “headhunters” contratados continuava na busca do novo CEO, mas sem sucesso.  Aparentemente, o primeiro candidato escolhido após o longo processo de seleção, um cidadão americano, desistiu na ultima hora após sua esposa se surpreender com os altos preços de aluguel de apartamentos em Londres.  Quando o segundo candidato escolhido também desistiu na ultima hora, o Board, já em pânico,  convocou o CFO Paul White - há poucos dias de deixar a companhia - para oferecê-lo o cargo de CEO.
Para o Copacabana Palace, a nomeação do Paul White como CEO da Orient-Express foi a melhor notícia que poderíamos receber.  Antes de ser CFO da companhia, Paul havia sido vice-presidente de operações para o hemisfério sul, e conhecia o Brasil e o Copacabana Palace, e a sua equipe, como poucos.  Além disso, como veterano na companhia, havia conhecido o hotel na época das vacas magras e portanto conhecia o trajeto que o hotel havia percorrido até se tornar um dos mais lucrativos do grupo Orient-Express.  Quinze dias antes de sua nomeação como CEO, ele havia visitado o Copacabana Palace no que se imaginava seria a sua ultima viagem ao Brasil antes de deixar a companhia.  Havíamos realizado uma simpática e emotiva festa de despedida, com a presença de toda a equipe gerencial do hotel, e o discurso de agradecimento e despedida do Paul deixou claro quanto ele apreciava o Brasil, e o Copacabana Palace.  Tê-lo agora como CEO da Orient-Express era um grande alívio, pois sabiamos que teríamos seu apoio para as reformas que ainda pretendíamos realizar.

Apesar das mudanças na cúpula de Orient-Express e da ausência tanto de um Chairman como de um CEO efetivos durante metade do ano, o ano de 2007 acabou sendo muito positivo para o Orient-Express, com seu lucro operacional atingindo um novo patamar de US$154M.  As notícias da saída do Sherwood haviam encorajada outros grupos hoteleiras a contemplar a aquisição do grupo Orient-Express, entre eles o grupo Tata, o conglomerado indiano dono de Taj Hotels, e que contava entre seus ativos as marcas de Land Rover e Jaguar, fora seus muitos investimentos na indústria siderugica.  O grupo Tata chegou a anunciar que havia comprado 10% das ações de Orient-Express como expressão de seu interesse em desenvolver uma associação com Orient-Express.  As ações de Orient-Express dispararam na bolsa de Nova York com  a cotação chegando a US$65,36, o que capitalizava a companhia em quase 3 bilhões de dólares.  Apesar do interesse demonstrado pelo grupo Tata, e de outros grupos, o Board de Orient-Express preferiu afastar qualquer tentativa de associação, preferindo manter o grupo independente.  Mesmo assim, o Orient-Express entrou em 2008 com suas ações ainda em alta, cotadas a US$58,56, o que valorizava a companhia em US$2,6 bilhões, e bastante otimismo quanto ao futuro.  Menos de um ano depois, entretanto, as ações havia caído para US$3,80, e a companhia não valia mais que US$200 milhões.  É que a crise do sub-prime americana, com a falência do Banco Lehman Brothers, e a subsequente crise financeira mundial, por muito pouco não levou Orient-Expree à falência, como contarei a seguir.