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terça-feira, 28 de junho de 2011

De volta para o Rio

         No inicio de 1973 o gerente geral suico, que não havia se adaptado bem ao Brasil, deixou a companhia e foi substituído por Eugene Auer, um alemão que Cortez havia recrutado do grupo Westin, no México.  Auer tinha um estilo muito germânico de atuar e as reuniões semanais com os chefes de departamento era um terror para os participantes.  Auer não admitia que as questões pendentes das reuniões anteriores não tivessem sido resolvidos e a cobrança era implacável.  As reuniões eram conduzidas na língua inglesa, pois Auer não falava português, e me recordo de uma cena típica quando ele, aborrecido por causa de uma longa explicação de porque um certo  assunto ainda não tinha ser resolvido, virou para o gerente responsável e gritou  “I WANT ACTION, MR. FONSECA, DO YOU UNDERSTAND? ACTION!!  Cada vez que ele pronunciava a palavra “action” ele socava a mesa com tanta forca que a mesa toda estremecia.  O estilo do  Auer deixava os nervos dos gerentes e chefes de departamentos em frangalhos, mas, pelo menos no curto prazo,deu certos resultados pois ninguém queria se alvo do ira do gerente geral.  Fora esses rompantes nas reuniões, o convívio diário com Auer era bastante agradável e enriquecedor para mim, pois ele era um gerente bem experiente.  Quando ele foi contratado Cortez havia prometido que ele seria designado gerente geral do Bahia Othon, o novo hotel de cinco estrelas que o grupo estava construindo na praia de Ondina em Salvador, mas os  dois acabaram de desentendendo e o Auer acabou deixando o Brasil para continuar sua carreira na Europa, chegando a alcançar o posto de vice-presidente para o Oriente Médio no grupo Sheraton.  Depois de quase um ano em São Paulo, Cortez decidiu me trazer de volta para o Rio,  para ser o Gerente Residente no Leme Palace, e auxiliar o novo gerente geral, um italiano chamado Capelesso que Cortez  havia  recrutado no México, assim como Auer.   Para mim, voltar para o Leme Palace foi muito prazeroso pois eu conhecia o hotel como a palma da minha mao, fruto dos dois anos que eu havia passado no hotel como "trainee", alguns anos antes, mas nao demorou muito tempo para eu perceber que trabalhar com Capelesso nao iria ser nada facil.  Embora se tratava de uma excelente pessoa, de bom coração, bem-humorado, e atencioso com todo mundo, era de longe o mais limitado dos gerentes gerais “importados” com quem trabalhei diretamente.  Na verdade, Capelesso nunca tinha sido gerente geral antes de assumir este cargo no Leme Palace.  No México ele tinha sido o gerente de alimentos e bebidas num hotel da cadeia Hilton e ate para esta função era questionável sua competência.  O que o italiano era na verdade, e o que ele tinha sido durante boa parte de sua carreira, era um maitre d`hotel.  Como maitre, era excelente, um dos melhores, mas como gerente, e executivo, deixava a desejar.   Os problemas com ele começaram logo na sua cocktail de apresentação para os membros do  conselho do Othon quando  ele disse para os conselheiros que em hotel que ele administrava, o custo direto de comestíveis não passava de 28%.  Este percentual era talvez normal na época no México, como e normal hoje no Brasil, mas na  década de `70, pelo menos nos hotéis da cadeia Othon, este percentual flutuava na faixa entre 40 a 45%, e poucos hotéis conseguiam custos abaixo de 40%, inclusive o Leme Palace.  Quando o cocktail terminou, o Cortez virou para o italiano, e disse, “Para que você foi dizer para o conselho que consegue um custo de comestíveis abaixo de 28%?  Eles não entendem nada disso, mas a partir de agora eles vão passar a conferir o custo todo mês e vão cobrar isso de voce.  E bom você ficar de olho!”.  Bem, depois do primeiro mês, o custo de comestíveis fechou com 42%, no segundo mês fechou com 43%, e no terceiro mês fechou com 44%.  O Cortez estava furioso, e cobrava resultados do italiano, e este se convenceu que o problema era com o atual Chefe de Cozinha, e que a solução só viria com a substituição do atual chefe por um chefe da confiança do Italiano, que viria do México.  Depois de alguma hesitação, Cortez acabou concordando com a proposta do Capelesso e autorizou a contratação do novo chefe de cozinha,  claro com grande investimento em passagens, aluguel de apartamento,  salário de dólares, etc.  Finalmente,  chegou o chefe novo, um alemão, casado com uma mexicana, e que havia trabalhado no México durante vinte anos. Era nele que Capelesso  depositava todas as suas esperanças que agora, finalmente, o custo de comestíveis iria baixar para 28%.  Só que, no primeiro mês do novo chefe o custo fechou com 46%, no segundo com 48%, e só não fechou acima de 50% no terceiro mês porque nos últimos dias do mês o italiano “engavetou” todas as requisicoes ao almoxarifado, para apenas lançar-as no começo do mês seguinte.  A coisa estava feia, mas iria ficar mais feia ainda.  Certo dia, o Chefe não apareceu para trabalhar.  Não era a folga dele, e ele não telefonou para justificar sua ausência.  No fim da tarde o Capelesso me chamou e disse, “Vamos ate o apartamento do Chefe em Copacabana.  Pegue o endereço dele  no departamento de pessoal.  Era um endereço na rua Barata Ribeiro, num daqueles prédios que tem dezenas de apartamentos por andar.  Fomos ate la, subimos ate o andar e tocamos a campainha, e nada.  Nenhuma resposta.  Descemos ate a portaria e perguntamos ao porteiro, “Nos estamos procurando o Hans, do apartamento 412, você tem visto ele”, “Hoje, nao”, respondeu o porteiro, “mas ontem a noite vi ele saindo com a mulher e uma monte de malas, acho que ele foi viajar, mas ele não disse para onde ia”.  Olhei para o Capelesso, mas este já estava inconsolavel, sentou na escada, e com as mãos no rosto, e entre soluços,  repetia sem parar, “filho da puta, filho da puta, filho da puta”  “O que foi”, perguntei, tentando acalma-lo, “pode ser que ele volte”, falei, sem muita convicção.  “Nao vai voltar nao” me respondeu o italiano, “na semana passada ele me pediu cinco mil dólares emprestados.  Disse que era para comprar um carro”  “E você emprestou o dinheiro?”, perguntei,   “Emprestei sim,....... filho da puta, filho da puta, filho da puta...”.  Bem, o chefe sumiu mesmo.  Soubemos depois que ele havia voltado para México, e nunca mais  deu noticias.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Um Piloto Corajoso

        Foi enquanto eu estava em São Paulo que ocorreu a primeira corrida de Formula Um no Brasil, em Interlagos.  A corrida era “experimental”, e não contava pontos para o campeonato daquele ano, mas caso fosse bem sucedida, a corrida do ano seguinte seria “official” e o Grande Premio Brasil entraria no calendário da Formula Um.  Os pilotos e chefes de equipe ficaram quase todos hospedados no Othon Palace, e vivemos uma semana de intensa movimentação.  No final tudo deu certo, e Brasil entrou definitivamente no calendário da Formula Um, e a única decepção, para os torcedores,  era que a corrida foi vencida pelo argentino Carlos Reutmann, e não por Emerson Fittipaldi ou José Carlos Pace.  De qualquer forma, nos do Othon Palace não poderíamos reclamar.  Carlos Reutmann estava hospedado no hotel e a noite, depois da corrida, a equipe “fechou” o Chalet Suisse – um dos restaurantes do hotel -  para comemorar a vitoria.  Mais marcante para mim, entretanto, foi uma corrida de Formula 2, realizado em Interlagos no final de 1972.  Novamente, muitos dos pilotos estrangeiros se hospedaram no Othon Palace, entre eles o piloto inglês David Purley, com quem passei a ter um contacto estreito, que iniciou-se de uma forma tensa.  Ocorreu que um dos patrocinadores da corrida organizou um “cocktail” no hotel com a presença dos pilotos e uns 300 convidados.  Neste cocktail, vendo que a maioria dos convidados estavam vestindo roupa esporte, o David Purley tirou o paletó que vestia e colocou-o pendurado numa cadeira num canto da sala.  No final do evento o piloto ao vestir novamente o paletó percebeu que a carteira dele que ele havia deixado no bolso do paletó havia sumida.  Como muitas vezes ocorre em circunstancias similares a primeira reacao do piloto foi responsabilizar o hotel pelo sumiço da carteira, chegando a afirmar que devia ter sido algum funcionário do hotel que havia furtado a carteira,  e exigir uma indenizacao.  Explique a ele que não havia como responsabilizar o hotel pelo sumiço da carteira, e muito menos acusar funcionários nossos, e embora lamentava a ocorrência a perda se devia mais a própria imprudência do piloto do que uma falha de segurança do hotel.  Inicialmente, o piloto relutou em aceitar meus argumentos chegando a fazer ameacas de contar o caso para a imprensa caso não fosse recompensado.  No dia seguinte, entretanto, já mais calmo, ele me procurou novamente e se desculpou pela sua atitude  da véspera, e concordou que a sua imprudência foi a principal causa do sumiço da carteira.  Chegou a afirmar que o mesmo fato teria ocorrido em qualquer parte do mundo, inclusive em Londres, e confessou que quando pendurou o paletó na cadeira havia esquecido que sua carteira estava no bolso do paletó.  A partir dai, passamos a falar de assuntos mais amenos, e fomos tomar algumas cervejas no Bar do hotel.  Ele me disse que tinha esperanças de estrear na Formula  1 já no ano seguinte, o que acabou acontecendo.   Mas o que chamou a atenção do mundo para David Purley foi o que sucedeu no GP de Holanda daquele ano, quando ele, sozinho, tentou, inutilmente,  salvar a vida do seu amigo Roger Williamson que estava preso num carro em chamas.  A cena,  pode ser visto no www.youtube.com/watch?v=mknBLPZukjI   .  Eu, que assistia a corrida ao vivo pela televisão no Rio de Janeiro fiquei chocado com a cena, e vê que a corrida nem foi interrompida!   Mais tarde, o David Purley recebeu das mãos da Rainha o “George Cross” a condecoração mais alta disponível para civis por atos de bravura.  Ele continuou na Formula por mais alguns anos mas depois abandonou a carreira para se tornar um piloto de aviões de acrobacia.  Morreu em 1985, num acidente trágico, quando seu avião caiu no mar na costa da Inglaterra.  Seu corpo jamais foi recuperado.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A Noite Paulista

        As visitas do Cortez a Sao Paulo eram sempre um acontecimento.  O estilo gerencial que ele adotava contrastava vividamente com o estilo austero e conservador que era a cultura reinante ate entao dentro do grupo Othon, mas como Cortez representava a modernidade, e como ele tinha sido incumbido de “modernizar” o grupo Othon para enfrentar a concorrencia das multinacionais que chegava no Brasil, tudo para ele era permitido.  Geralmente, ele mandava seu automovel Mercedes-Benz do Rio de Janeiro de caminhao para ficar a sua disposicao em Sao Paulo, embora ele normalmente nao permanecia mais que tre dias na cidade.  O carro costumava ficar o dia todo na porta do hotel a sua disposicao, mas Cortez somente o utilizava a noite, pois era um assidio frequentador da “noite” paulista,  ou mais precisamente,  a famosissima e luxuosa boite  “La Licorne”,  muito conhecida na epoca.  Normalmente, a noite do Cortez comecava as 18 horas, quando, quase ele descia do seu escritorio no segundo andar do hotel para o Bar do hotel, sempre acompanhado pelo gerente geral e mais dois ou tres assesores  para beber Cutty Sark, o seu whisky preferido.  Nessas ocasioes ele gostava de contar historias sobre suas experiencias em hotelaria, ou entao tecer comentarios sobre a empresa e as dificuldades que ele enfrentava no Escritorio Central na sua tentativa de modernizar a administracao do grupo.   Eram historias fascinantes, contados com muito humor, e  Cortez era um bom contador de historias.   Inicialmente, eu nao fazia parte desse grupo “seleto”  que bebia com Cortez no Bar do hotel, mas depois de algum tempo passei a ser convidado por Cortez a me integrar a esse grupo , o que representava  uma clara sinal deprestigio -e , as vezes, ainda era convidado a jantar com o grupo, o que significava maior prestigio ainda.   O sinal de maior prestigio de todos entretanto ocorreu certa noite quando estavamos bebendo no Bar e Cortez virou para mim e disse  “Esta noite vamos todos ao La Licorne, passa no caixa de recepcao e retire dinheiro suficiente para pagar a conta da boite.  Voce sera o responsavel pelo pagamento da conta  e amanha voce presta conta da despesa”  E assim, fomos todos ao “La Licorne”, uma casa de grande luxo que havia se tornado quase um ponto de visitacao obrigatoria para qualquer visitante masculino, brasileiro ou estrangeiro, que se encontrava na cidade.  Era mesmo um lugar deslumbrante, e as “senhoritas”  que a frquentavam, eram mais deslumbrantes ainda, todas vestidas com modelos longos, trazidos de Paris, e muito elegantes.  As mocas ficavam circulando no salao, e nao era permitido  abordar os frequentadores.  Somente  se fossem convidadas poderiam sentar nas mesas para conversar e tomar um drinque.  Parecia um a mistura de desfile de moda com um desfile de beleza, tudo acompanhado por musica ao vivo e um servico impecavel, realmente inesquecivel.   Embora as “mocas” estivessem disponiveis para “servicos extras”, muitos frequentadores limitavam-se a apreciar a beleza do local, ouvir musica boa e apenas conversar com alguma moca, enquanto bebiam.  Foi o que se sucedeu com nosso grupo nesta noite e no fim da noite, conforme combinado, paguei as despesas do grupo, tendo o cuidado de solicitar a nota fiscal. No dia dia seguinte preparei o comprovante de caixa, com a nota fiscal anexa, para Cortez aprovar.  Quando levei o comprovante para ele assinar ele olhou, e perguntou “O que e isso?” “E o comprovante da despesa de ontem, no “La Licorne””, eu respondi, “mas aqui no comprovante nao esta escrito “La Licorne”” ele argumentou, “E por que o nome da razao social da empresa nao e essa. “La Licorne” e apenas o nome comercial da casa, e nao consta na nota fiscal”, respondi.  Ai, o Cortez rasgou o comprovante em pedacos, e me disse “ Entao refaca o comprovante, e depois da razao social, coloca entre parentesis “La Licorne”.  Quando isso bater na contabilidade no Rio de Janeiro, quero que todos saibam onde e que eu estive”  Era um claro afronto aos padroes conservadores da companhia na epoca, mas Cortez representava o novo poder, e gostava de exibir-lo.

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quinta-feira, 9 de junho de 2011

O Principio de Unidade de Comando

        Uns dois meses depois eu ter chegado em Sao Paulo me encontravam no meu escritorio pela manha quando minha secretaria me informou que havia um Sr. Alcantara no telefone querendo falar comigo, mas que ele nao queria revelar qual era o assunto, embora fosse urgente.  Atendi o telefonema, pensesando que pudesse ser alguem do grupo Alcantra Machado, responsavel na epoca pelo centro de convencoes do Parque do Anhembi, mas  logo descobri  que o Sr. Alcantara era um garcon que trabalhava no VIP`s Bar, o movimentado Bar do hotel.   O garcon entao relatou que o Maitre do Bar, um veterano italiano muito simpatico, mas tambem muito “mafioso”, vinha cometendo um serie de arbitrariedades e abusos, exigindo propinas diarias dos garcons, e inclusive furtando garrafas de bebidas que eram entao vendidos com descontos para os clientes regulares do Bar.  Disse ainda que, na vespera, havia sido servido um “welcome drink” para um grupo que chegava no hotel, e que havia sobrado tres garrafas de rum, que, em vez de retornar ao estoque do Bar, haviam sidos escondidos debaixo da cesta de roupas sujas para depois serem vendidos diretamente aos clientes.  “Se fizer uma vistoria na cesta de roupa suja, o Senhor vai comprovar o que eu estou dizendo”, disse o garcon, e desligou.  Eram 9.30hrs da manha, e o Bar so abria as 11 horas, mas o pessoal entrava em servico as 10.30hrs.  Procurei o gerente-geral, mas ele estava reunido com Cortez, e nao podia ser interrompido.  Chamei entao o gerente de alimentos e bebidas, um alemao com pouco tempo de Brasil, e relatei o que o garcon havia me contado.  Combinamos entao que o gerente de A&B faria uma vistoria rotineira no Bar, prestando especial atencao a cesta de roupa suja, e quando isto foi feito acabou revelando a existencia das tres garrafas de rum.  As garrafas foram recolhidas ao escritorio do gerente de A&B, que entao aguardou a chegada do Maitre do Bar, para pedir explicacoes.  Assim que chegou ao Hotel o Maitre foi chamado ao escritorio do gerente, mas quando comecou a ser questionado sobre o ocorrido reagiu, e disse “Ja que voces estao desconfiando de mim, eu peco as minhas contas.  Nao admito que alguem desconfia de mim, e nao trabalharei mais nesta casa”, e com isso pediu licenca, saiu do escritorio do gerente, passou no departamento de pessoal, assinou uma carta pedindo demissao, e foi para casa.  Assim, que a reuniao do gerente-geral terminou, fui ate o seu escritorio e relatou o que havia ocorrido.  “OK”, ele me disse, “mas reforca o servico no Bar para esta noite.  O Cortez e um frequentador assiduo la, ele vai perceber a falta do Maitre, e eu nao quero nenhum problema com o servico”  Colocamos entao um maitre substituto no lugar do italiano, reforcamos o servico com mais quatro garcons, e tudo parecia correr bem.  Aos 18 horas, como de habito, o Cortez apareceu no Bar, ficou la por duas horas e depois foi jantar com o gerente-geral.  Depois do jantar o gerente-geral me chamou e disse “Convoca todos os garcons e barmen do VIP`s Bar para uma reuniao no meu escritorio, amanha as 11 horas.  E convoque o gerente de A+B e o gerente de Recursos Humanos tambem”  Na hora marcada todos estavam la.  Haviam ao todo 12 garcons e barmen, e a sala do gerente-geral estava cheio.  “Quem de voces confirmem as alegacoes que o Maitre vinha furtando garrafas de bebidas e praticando outras irregularidades?” perguntou o gerente geral.  Todos confirmavam, dando diversos exemplos, e ainda relatavam outors  abusos que o italiano habitualmente praticava.  Todos, menos um, um barman de descendencia japonesa , que recusava a confirmar o que todos os outros diziam, e se limitava a balancar a cabeca negando que tivesse conhecimento de qualquer irregularidade.  Quanto mais o gerente-geral o pressionava para confessar o que todos os outros diziam, mais o japones apenas balancava negativamente a cabeca.  Nao sabia de nada, nao tinha visto nada, nunca tinha tomado conhecimento de qualquer irregularidade, e desconhecia qualquer abuso praticado pelo Maitre.  Parecia que o japones so podia ser comparsa do italiano, e quando todos pensaram que ele seria demitido, o gerente-geral virou para o gerente de Recursos Humanos, e decretou “Todos esses onze que denunciaram o Maitre estao demitidos, com efeito imediato.  O japones, deve voltar ao servico. Mande um carro na casa do Maitre, e traga-o de volta ao trabalho.  Avise-o que sua carta de demissao nao foi aceita. A reuniao esta terminado, podem sair”, e assim foi feito.  Fiquei estupefato.  Virei para o gerente-geral depois que todos haviam saido, e disse “Como e possivel fazer isso.  Esta muito evidente  que o Maitre esta furtando, e cometendo um serie de abusos.  Como podemos ser conivente com isso?  Que exemplo estamos dando para os demais funcionarios?” “Sei, que voce nao entendeu nada, mas a ordem de demitir todo mundo foi do Cortez, e tem que ser obedecido”, me respondeu o gerente geral.   No fim de tarde, Cortez me chamou ao seu escritorio, junto com o gerente de A&B.  “Sei que voces nao concordaram com minha decisao.  Mas nao aceito, de maneira alguma, que um superior hierarquico, nao importa em qual nivel hierarquico esteja, possa ser derrubado por uma denuncia oriundo de um subordinado.  A hierarquia tem que ser mantida acima de qualquer outra consideracao.  E um principio de qual nao abro a mao em quaisquer circumstancias. Se nossos controles internos haviam apontado as discrepancias no estoque no Bar, eu nao diria nada, alias, eu estaria a favor da demissao do Maitre, mas, atraves da denuncia de um subordinado, nunca.  Agora, que voces ja sabem que o Maitre nao e confiavel, devem reforcar os controles internos no Bar, e efetuam mais “spot checks” inesperados.  Na hora que voces reunem evidencias claras de irregularidades, podem demitir o Maitre, mas nao antes”, e assim encerrou a reuniao.  Levamos seis meses para conseguir juntar estas provas, mas finalmente conseguimos, e o Maitre  foi, finalmente, demitido.



quarta-feira, 1 de junho de 2011

Chegando em Sao Paulo

        Chegando em São Paulo, era como eu estivesse entrando num outro mundo.  As diferenças entre o Castro Alves e o Othon Palace eram enormes.  Enquanto o  Castro Alves era um modesto hotel de três estrelas, e cuja clientela era predominantemente composta de turistas brasileiras e sul-americanas, o Othon Palace era um imponente cinco estrelas  e, em 1972,  ainda era indiscutivelmente um dos melhores hotéis de São Paulo.  A localização no centro de São Paulo, na Praça Patriarca, era considerada  boa, pois o centro financeiro da cidade ainda ficavam nas proximidades.  A clientela era formada por executivos e homens de negócios, e o hotel ficava quase sempre lotado nos  dias de semana, mas a taxa de ocupação caia para 40-50% nos finais de semana.   Fora isso, haviam dois restaurantes movimentados, e um Bar que faturava mais por dia do que o Bar do Castro Alves em três meses. Alem disso, o hotel tinha mais que 300 funcionários, todos organizados por departamento, e uma estrutura organizacional completamente diferente do que existia no Rio, mesmo quando comparado ao do Leme Palace.    A minha função, de sub-gerente executivo, era similar  hoje  a função de Gerente Residente.   Basicamente, eu era responsável pela coordenação das áreas operacionais do hotel, principalmente das áreas de recepção, governanca, e manutenção.  O gerente de alimentos e bebidas, embora subordinado ao sub-gerente executivos no organograma, reportava-se diretamente ao gerente geral.   Tinha um bonito e amplo escritório,  que comportava uma mesa de reuniões para oito pessoas, e  uma janela que dava  vista para o Viaduto do Chá, e, pela primeira vez na vida, uma secretaria particular.  Aos poucos fui me adaptando a este novo mundo, e não demorou muito para eu perceber que eu tinha algumas vantagens.  Para começar, ninguém no hotel  conhecia mais  todos os processos e rotinas internas de Hotéis Othon do que eu.  Como eu havia estagiado no Leme Palace, e no Escritório Central, a ainda passado quase três anos no Hotel Castro Alves, onde todos as rotinas burocráticas era de responsabilidade do gerente, eu não sabia apenas interpretar os diversos relatórios gerenciais, mas sabia confecionar-los também.  Eu também entendia muito da CLT, e toda a burocracia trabalhista ligada a movimentação de pessoal e a confecção da folha de pagamento.   Como o Othon Palace era um hotel grande, muito departamentalizado, as pessoas só conheciam as rotinas do seu próprio departamento, enquanto eu, que vinha de um hotel pequeno, conhecia todas. Uma outra vantagem que eu tinha e que enquanto o pessoal de São Paulo não tinha muita intimidade com os temidos burocratas do Escritório Central no Rio, eu não apenas conhecia as pessoas,  mas  me dava bem com todos, e isto facilitavam muitos os entendimentos quando havia algum questionamento.  Com estas vantagens, fui logo conquistando a confiança dos demais gerentes e chefes de departamentos, e não  tive dificuldade de ser aceito como chefe, mesmo tendo apenas 26 anos de idade e tendo que lidar com profissionais muito mais experientes que eu.    Outro fato que me ajudou muito foi a capacidade de me comunicar bem na língua inglesa com o gerente geral, um suico recem chegado ao Brasil, que falava espanhol razoavelmente bem, mas não português.  Ele tinha trabalhado anteriormente na cadeia Intercontinental, na África, e no Oriente Médio, e o idioma inglês era sua língua preferida.  Eu tinha uma reunião formal com ele de uma hora, todas as manhas, junto com o gerente de alimentos e bebidas, quando ele fazia suas observacoes sobre a qualidade dos serviços e o movimento do hotel em geral.  O gerente de alimentos e bebidas era um jovem alemão, apenas três ou quatro anos mais velho que eu, mas com pouco tempo de Brasil, e  o gerente geral infernizava a vida dele.  Em parte, porque o gerente geral era também um “expert” na área de alimentos e bebidas, tendo já exercido a função de gerente de alimentos e bebidas em outros hotéis no exterior, e também, em parte, eu desconfio, porque o suico também não simpatizava muito com os alemães.  Também contribuía para o desgaste o fato que a esposa do gerente geral era uma senhora argentina, de temperamento difícil, que diariamente tinha queixas  sobre o Room Service, de qual era a cliente principal, já que morava no hotel.  As nossas reuniões então invariavelmente começavam com um serie de criticas dirigidas ao gerente de alimentos e bebidas em função da falta de qualidade dos alimentos servidos, ou da morosidade no atendimento do pessoal de Room Service.  Por mais que o gerente de alimentos e bebidas se esforçasse para contornar os problemas, nada satisfazia a exigente argentina, nem o irado suico.  Eu tentava amenizar um pouco a situação, pois sabia que as reclamacoes eram muitas vezes injustas, mas não havia muito que eu pudesse fazer.

         Fora estas reuniões diários, havia também toda semana a reunião dos Chefes de Departamento, reunindo em torno de vinte pessoas, sempre conduzido pelo gerente geral.  Eram reuniões formais, e da maior importância, onde se discutia todos os assuntos importantes e decidia providências a serem tomadas.  O follow-up e cobrança implacável aos gerentes dos assuntos pendentes de reuniões anteriores eram a marca registrada dessas reuniões.  De qualquer forma, para mim, ter a oportunidade de  observar de perto a atuacao de um gerente geral com experiência internacional numa cadeia de grande prestigio foi de um valor inestimável.  Era impressionante como ele analisava os resultados do hotel, e como ele cobrava resultados dos demais gerentes.  Ele se preocupava muito com a qualidade dos serviços prestados e passava sempre um bom tempo analisando os questionarios preenchidos pelos hospedes, e procurando sempre formas de aprimorar os serviços.  Mesmo assim, ficou logo evidente, que o poder real dentro do hotel ainda era exercido por Cortez. O fato que o Cortez havia passado quase dois anos no hotel como gerente geral, e feito tanto a reforma administrativa como a reforma fisica das instalacoes, fazia que ele, mesmo exercendo o cargo de Superintendente de Operacoes no Rio de Janeiro, nao se desligava da rotina diaria do hotel.   Diariamente, o gerente geral tinha que telefonar para Cortez no Rio para comentar as coisas mais importantes que havia ocorrido, como estava o movimento, etc., e há cada 15 dias o Cortez visitava o hotel, normalmente ficando três dias em cada visita.  Para isso, ele mantinha ate um escritório montado para seu uso exclusivo, enquanto estava na cidade.  Durante estas visitas ele costumava passar horas reunidos com o gerente-geral, que por sua vez ficava incomunicável, pois as reuniões com Cortez não podiam ser interrompidos, sob hipótese alguma. Foi justamente numa dessas ocasiões que ocorreu um caso inusitado, que passarei a contar no capitulo seguinte.