Total de visualizações de página

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Um Piloto Corajoso

        Foi enquanto eu estava em São Paulo que ocorreu a primeira corrida de Formula Um no Brasil, em Interlagos.  A corrida era “experimental”, e não contava pontos para o campeonato daquele ano, mas caso fosse bem sucedida, a corrida do ano seguinte seria “official” e o Grande Premio Brasil entraria no calendário da Formula Um.  Os pilotos e chefes de equipe ficaram quase todos hospedados no Othon Palace, e vivemos uma semana de intensa movimentação.  No final tudo deu certo, e Brasil entrou definitivamente no calendário da Formula Um, e a única decepção, para os torcedores,  era que a corrida foi vencida pelo argentino Carlos Reutmann, e não por Emerson Fittipaldi ou José Carlos Pace.  De qualquer forma, nos do Othon Palace não poderíamos reclamar.  Carlos Reutmann estava hospedado no hotel e a noite, depois da corrida, a equipe “fechou” o Chalet Suisse – um dos restaurantes do hotel -  para comemorar a vitoria.  Mais marcante para mim, entretanto, foi uma corrida de Formula 2, realizado em Interlagos no final de 1972.  Novamente, muitos dos pilotos estrangeiros se hospedaram no Othon Palace, entre eles o piloto inglês David Purley, com quem passei a ter um contacto estreito, que iniciou-se de uma forma tensa.  Ocorreu que um dos patrocinadores da corrida organizou um “cocktail” no hotel com a presença dos pilotos e uns 300 convidados.  Neste cocktail, vendo que a maioria dos convidados estavam vestindo roupa esporte, o David Purley tirou o paletó que vestia e colocou-o pendurado numa cadeira num canto da sala.  No final do evento o piloto ao vestir novamente o paletó percebeu que a carteira dele que ele havia deixado no bolso do paletó havia sumida.  Como muitas vezes ocorre em circunstancias similares a primeira reacao do piloto foi responsabilizar o hotel pelo sumiço da carteira, chegando a afirmar que devia ter sido algum funcionário do hotel que havia furtado a carteira,  e exigir uma indenizacao.  Explique a ele que não havia como responsabilizar o hotel pelo sumiço da carteira, e muito menos acusar funcionários nossos, e embora lamentava a ocorrência a perda se devia mais a própria imprudência do piloto do que uma falha de segurança do hotel.  Inicialmente, o piloto relutou em aceitar meus argumentos chegando a fazer ameacas de contar o caso para a imprensa caso não fosse recompensado.  No dia seguinte, entretanto, já mais calmo, ele me procurou novamente e se desculpou pela sua atitude  da véspera, e concordou que a sua imprudência foi a principal causa do sumiço da carteira.  Chegou a afirmar que o mesmo fato teria ocorrido em qualquer parte do mundo, inclusive em Londres, e confessou que quando pendurou o paletó na cadeira havia esquecido que sua carteira estava no bolso do paletó.  A partir dai, passamos a falar de assuntos mais amenos, e fomos tomar algumas cervejas no Bar do hotel.  Ele me disse que tinha esperanças de estrear na Formula  1 já no ano seguinte, o que acabou acontecendo.   Mas o que chamou a atenção do mundo para David Purley foi o que sucedeu no GP de Holanda daquele ano, quando ele, sozinho, tentou, inutilmente,  salvar a vida do seu amigo Roger Williamson que estava preso num carro em chamas.  A cena,  pode ser visto no www.youtube.com/watch?v=mknBLPZukjI   .  Eu, que assistia a corrida ao vivo pela televisão no Rio de Janeiro fiquei chocado com a cena, e vê que a corrida nem foi interrompida!   Mais tarde, o David Purley recebeu das mãos da Rainha o “George Cross” a condecoração mais alta disponível para civis por atos de bravura.  Ele continuou na Formula por mais alguns anos mas depois abandonou a carreira para se tornar um piloto de aviões de acrobacia.  Morreu em 1985, num acidente trágico, quando seu avião caiu no mar na costa da Inglaterra.  Seu corpo jamais foi recuperado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário