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sexta-feira, 30 de março de 2012

Historias de Uma Carreira Hoteleira - Capitulo 51 - "Um Pouco de Historia"

Ate a chegada do grupo Orient-Express em 1989, a gestão do Copacabana Palace, ao longo de sua historia, tinha estada nas mãos da família Guinle.  O fundador do hotel foi Octávio Guinle, e foi ele que dirigiu o hotel com mão de ferro desde a sua  inauguracao em 1923 ate o seu falecimento em 1968.  Um homem rico e sofisticado, pertencente a uma das das mais renomadas famílias brasileiras, era a pessoa ideal para impor a cultura de sofisticacao e qualidade  que fez do  hotel  uma referencia nacional em termos de hotelaria, e famoso em todo o mundo.  Apos o seu falecimento em 1968, a sua viúva, Dna.  Mariazinha Guinle, assumiu a direcao, auxiliada mais tarde por seus dois filhos, Luís Eduardo e José Eduardo.  Estes foram tempos difíceis para o hotel, que enfrentava uma concorrencia cada vez mais intensa com a construcao dos inúmeros modernos hotéis na década de `70.  Este fato,  aliada a falta de recursos financeiros para modernizar as instalacoes do hotel cujo prédio principal já completava meio seculo de existência, sinalizava o inicio da decadência do hotel.  Contribuía ainda mais para ampliar as dificuldades os problemas do passivo trabalhista referido no capitulo passado.  Foi esta situacao que levou a família Guinle a buscar uma solucao imobiliária que poderia ter resultado na derrubada do prédio da Avenida Atlântica e a sua substituicao por um moderno torre.  Felizmente, estas ideias  não tiveram prosseguimento em funcao da reacao adversa da imprensa e da sociedade em geral, o que  levou ao tombamento do hotel pelo patrimônio histórico, dando fim a qualquer possibilidade de uma solucao imobiliária.  Embora o tombamento possa ter preservado o prédio do Copacabana Palace, trouxe como consequencia o fim da era dos Guinle como donos e gestores do hotel.  A família ainda resistiu bravamente durante alguns anos, mas com as receitas caindo, e as dividas crescendo, não havia como continuar.  Quando o hotel foi finalmente vendido para o grupo Orient-Express em setembro de 1989, o hotel estava em estado precário, tanto física como financeiramente, e não havia fila de interessados na porta do hotel procurando comprar-lo, ate porque  o próprio mercado hoteleiro carioca já estava dando claras sinais que iria entrar em crise, como de fato acabou acontecendo.  Alem disso, o pais estava  em pleno campanha de eleicoes presidenciais, e isto trazia uma grande  incerteza  quanto aos rumos futuros da nacao.  O consenso de opiniões na cidade alias, era que o James Sherwood, Chairman do Orient-Express, era  um “louco” por ter comprado o Copa, e que ele jamais obteria um retorno no seu investimento.  E não faltava  gente do próprio grupo  Orient-Express que pensavam da mesma forma.



De qualquer maneira, a minha tarefa era administrar o hotel que tinha nas mãos, independente do estado em que ele se encontrava.  Para ter alguma chance de sucesso, precisava montar uma equipe profissional e comprometida.  Felizmente, encontrei alguns bons profissionais já trabalhando no hotel.  Entre estes devo destacar o Friederich Flunkert, um cidadão alemão que exercia a gerencia-geral do hotel na ocasião da aquisicao, e depois passou a atuar como gerente operacional.  Prestou um serviço inestimável durante vários meses ate  sair para assumiu a gerencia-geral do Hotel Transamerica em Comandatuba na Bahia, onde atuou por vários anos com grande exito.  Foi substituído por um outro profissional, Eduardo Sardinha,  que já havia trabalhado no Copa  antes de seguir sua carreira na cadeia Meridien.  O Sardinha depois foi promovido a gerente-geral do hotel do Orient-Express na Algarve em Portugal, o Quinto do Lago, e hoje e o diretor que esta supervisionando a reforma do Hotel Gloria no Rio de Janeiro.  O Sardinha, por sua vez,  foi substituído por um outro profissional de origem português, e também com passagem pelo Meridien, Francisco da Silveira Pinto, que ate hoje e muito atuante no mercado hoteleiro carioca.  Outro ótimo profissional que encontrei quando cheguei no Copa foi Stela Pacheco, uma dinâmica e atuante gerente de vendas.  O seu estilo contestador e guerreiro era muito apreciado.  Outra pessoa fundamental e de um valor inestimável foi Sônia Zagury, a minha assistente pessoal e executiva, que alem de suas innumeras outras tarefas, ainda cuidava da administracao do Teatro Copacabana.  Para complementar esta equipe, trouxemos Francisco Tommy Freund para cuidar da gerencia de alimentos e bebidas e Luís Incao para cuidar da cozinha.  Outra contratacao fundamental nesta época foi de Dionísio Teixeira para a área de RH, o que dava tranquilidade e confiança na gestão e controle de pessoal.  De todas as novas contratacoes que fizemos entretanto, duas merecem um destaque especial.  Uma delas foi do Fernando Lira, para a posicao de Controller Financeiro.  Eu já havia conhecido Lira desde 1976 quando trabalhávamos juntos no grupo Othon, e depois havíamos trabalhado juntos tanto no grupo Quatro Rodas (onde ele estava quando eu la cheguei), e no Rio Palace (onde eu estava quando ele la chegou).  Apreciava seu estilo direto e sua habilidade em lidar com as pessoas, alem do seu senso de humor, e foi uma contratacao que  demonstrou ser de extrema utilidade quando começamos a enfrentar os problemas peculiares do Copa, mais adiante.  A outra contratacao de grande impacto foi de Oscar Ornstein para a gerencia de Relacoes Publicas.  O Oscar era um verdadeiro fenômeno em termos de relacoes publicas.  Relacoes Publicas um produtor musical e de teatro.  Havia trazido cantores como Maurice Chevalier, Edith Piaf, e Sammy Davis Jr para cantar no Golden Room do Copacabana Palace, e era conhecido nos Estados Unidos como “Mr. Copacabana”.  Quando saiu do Copacabana Palace em 1971 foi trabalhar no recém-inaugurado Hotel Nacional em São Conrado, onde permanenceu durante mais de dez anos, e foi um dos principais organizadores da primeira edicao do “Rock in Rio”, realizado em 1985.  Quando fiz-lhe o convite para voltar ao Copa o Oscar tinha 78 anos de idade, e já tinha sofrido dois enfartes.  Consultou os filhos, e estes, percebendo o entusiasmo do pai,  deram o sinal verde para o seu retorno.  Para o Copa, e principalmente para os novos administradores, a vindo do Oscar, com sua experiência e “savoir-faire”  foi uma revelacao.  Não somente ele pude proporcionar a todos relatos diretos das historias do periodo mais glorioso do hotel, como ele se tornou um grande entusiasta de todas as mudanças que pouco a pouco implantávamos no hotel.  Foi um grande exemplo para todos.  Infelizmente, apos um ano de retorno,o Oscar voltou a sofrer problemas cardíacas, e veio a falecer, mas o legado que deixou para os “novos” administradores do hotel continua ate hoje.

terça-feira, 27 de março de 2012

Historias de Uma Carreira Hoteleira - Capitulo 50 - "Descobrindo Problemas"

O primeiro grande problema que senti quando assumi a direcao do Copacabana Palace foi a falta do fluxo de relatórios e informacoes gerenciais essenciais para saber em que direcao os negócios andavam.  Em todas as outas empresas em que eu havia trabalhado estes relatórios existiam, e todos seguiam a logica do “Uniform System of Accounts”, que e a bíblia contábil para um plano de contas da atividade hoteleira.  O Copa não havia adotado este plano de contas, e o fluxo de informacoes era precário.  Levei 15 dias para conseguir ter uma resposta confiável para uma pergunta básica como “Qual foi a taxa de ocupacao ontem”?, e mesmo assim só consegui esta informacao somando os dados do prédio principal com os do Anexo, pois logo descobri que cada prédio funcionava quase que independentemente um do outro, já que o Anexo tinha a sua própria entrada  na Av. N.S. de Copacabana, e tinha sua própria equipe de recepcao, concierge, mensageiros, etc.  Na verdade,  os dois prédios que compunham o conjunto do Copacabana Palace não apenas funcionava independentemente um do outro,  mas  concorriam ente si para os mesmos hospedes, freqüentemente de uma forma desleal.  Isto acontecia porque cada prédio apurava e distribuía a taxa de serviço separadamente um do outro, e todos os funcionários trabalhavam ou para o prédio principal, ou para o Anexo, e não se misturavam.   Como o setor de reservas do hotel funcionava no prédio principal, o pessoal do Anexo estavam convencidos que o setor de reservas favoreciam a ocupacao do prédio principal, em detrimento do Anexo.  Em represália, os mensageiros do Anexo eram orientados a abordar hospedes na piscina, e convidar-los a conhecer as instalacoes do Anexo, com vistas de promover suas mudanças para aquele prédio.  Na batalha de angariar mais hospedes, a areá da piscina era a “terra de ninguem”.  A concorrencia acirrada entre os dois prédios era apenas um dos problemas que eu enfrentava, mas logo percebi que o principal problema do hotel se relacionava ao sistema de apuracão e distribuicao da taxa de serviço.  Havia ao todo cinco sistemas diferentes de apuracão e distribuicao da taxa de serviço, que beneficiava grupos distintos de funcionários, de acordo com o setor em que trabalhavam.  Ao todo esses cinco sistemas de apuracão e distribuicao da taxa de serviço apenas beneficiavam em torno de 40% dos funcionários, pois os funcionários do “back of the house” não eram contemplados.  Isso criavam dois classes distintos de funcionários – os  que ganhavam muito dinheiro com a taxa de serviço, e os outros, que não ganhavam nada.  Alem disso, a taxa de serviço não aparecia como tal na conta do hospede, pois estava embutido no preço da diária, e descontado da receita para distribuir aos funcionários.  E ainda havia mais, o valor descontado não correspondia a 10% do valor da diária efetivamente pago pelo hospede, mas sim a 10% do valor da tabela cheia do apartamento ocupado.  A montante apurada era distribuída integralmente aos funcionários participantes, sem qualquer retencao para fazer frente aos encargos sociais, decimo-terceiro salario, pagamento de ferias etc.  Mesmo no caso do hotel conceder uma hospedagem cortesia por qualquer motivo, os funcionários recebiam 10% do valor do preço de tabela do apartamento ocupado.  Todos esses “direitos” haviam sido concedidos, e confirmados pela Justiça de Trabalho, e tiveram sua origem numa desastrada decisão do hotel, tomada em 1943, alguns meses antes da introducao pelo governo do Presidente Getúlio Vargas da Consolidacao das Leis do Trabalho – a CLT.  Nesta decisão de 1943, o hotel comunicou aos funcionários que iria implantar um sistema de taxa de serviço, e que todos os funcionários que trabalhavam em contacto direto com os hospedes, (recepcionistas, concierges, mensageiros, arrumadeiras, maitres, garçons, etc.) deixariam de receber qualquer salario, mas seriam recompensados exclusivamente pela distribuicao da taxa de serviço.  Em 1943, isto ate poderia parecer ser uma boa ideia, mas com o advento da CLT, e a introducao de um salario minimo obrigatório, e todos os demais direitos trabalhistas  resultantes da CLT por um lado, e a dinâmica da comercializacao hoteleira com a introducao de tarifas para atacadistas, tarifas corporativas, tarifas para grupos, e tarifas promocionais diversos por um outo lado, a decisão de 1943 havia se tornada uma desastre.  Em 1989, calculamos que o custo da distribuicao da taxa de serviço aos funcionários, e os encargos sociais resultantes,  custavam nada menos que 25% da receita de hospedagem do hotel, e isto sem começar a pagar os salários que todos faziam jus.  Para completar o quadro, constatamos que mais que 200 funcionários que desfrutavam da taxa de serviço eram veteranos com 30 ou 40 anos de serviço, ou ate mais.  Não eram optantes pelo FGTS (introduzido em 1966), e consequentemente desfrutavam de “estabilidade” no emprego pelo lei antigo, o que significava que qualquer demissão implicava no pagamento de uma indenizacao de dois salários mensais para cada ano trabalhado. 

Percebi logo que ou solucionava este problema, ou então iriamos todos afundar juntos com o hotel.  A situacao era simplesmente insustentavel.  Antes de enfrentar este problema, entretanto, ocorreu outro fato inusitado, que ilustra bem quantos desafios eu teria que enfrentar.  Assumi a direcao do hotel no inicio de outubro, que e justamente  o mês do dissidio coletivo anual da classe hoteleira no Rio de Janeiro.  Eu estava acostumado a acompanhar as discussões e negociacoes entre o sindicatos patronal e empregados há anos, e portanto conhecia bem todos os mecanismos.  O reajuste acordado em outubro de 1989 previa um aumento de exatamente 100% sobre os salários de outubro de 1988, que correspondia aproximadamente a taxa de inflacao no período, compensados os aumentos espontâneos porventura concedidos durante o ano.  No final de outubro entrou na minha sala o gerente de Recursos Humanos, com a folha de pagamento de outubro para eu aprovar.  Me disse que precisava mandar logo a relacao dos salários para o banco, senão o pagamento não sairia no fim do mês.  Trouxe uma copia do dissidio coletivo e me explicou que outubro era o mês de vigência do novo acordo salarial.  Examinei a folha, e percebi que todos os salários estavam majorados em 100% sobre o salario de setembro.  Falei com o gerente de Recursos Humanos,  “O reajuste de 100% previsto no dissidio e sobre os salários de outubro do ano passado, e não sobre o salario do mês passado.  Estou vendo que foram concedidos  vários adiantamentos por conta do dissidio ao longo do ano, inclusive um no próprio mês de setembro, que não foram compensados”  “E verdade” me respondeu o gerente de RH,  “mas aqui no Copa e tradicao aplicar sempre o aumento do dissidio sobre o ultimo salario recebido e não sobre o salario do ano passado”,  “E uma tradicao Interessante”, respondi, “mas lamento informa-lo que e uma tradicao que termine agora”.  Em vez de assinar, passei um grande X em todas as folhas  e mandei que tudo fosse recalculada, compensando os aumentos espontâneos concedidos.  O gerente de RH saiu da minha sala cabisbaixo, pois percebeu  que teria pouco tempo de sobrevida no hotel.  Ate hoje fico imaginando o que teria acontecido se eu fosse um  inexperiente recém chegado no pais. Muito provavelmente teria escorregado nesta casca de banana apresentada pelo gerente de RH, com consequencias desastrosas para a companhia.  Percebi também, que precisava formar uma equipe de confiança, com urgência.