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terça-feira, 27 de março de 2012

Historias de Uma Carreira Hoteleira - Capitulo 50 - "Descobrindo Problemas"

O primeiro grande problema que senti quando assumi a direcao do Copacabana Palace foi a falta do fluxo de relatórios e informacoes gerenciais essenciais para saber em que direcao os negócios andavam.  Em todas as outas empresas em que eu havia trabalhado estes relatórios existiam, e todos seguiam a logica do “Uniform System of Accounts”, que e a bíblia contábil para um plano de contas da atividade hoteleira.  O Copa não havia adotado este plano de contas, e o fluxo de informacoes era precário.  Levei 15 dias para conseguir ter uma resposta confiável para uma pergunta básica como “Qual foi a taxa de ocupacao ontem”?, e mesmo assim só consegui esta informacao somando os dados do prédio principal com os do Anexo, pois logo descobri que cada prédio funcionava quase que independentemente um do outro, já que o Anexo tinha a sua própria entrada  na Av. N.S. de Copacabana, e tinha sua própria equipe de recepcao, concierge, mensageiros, etc.  Na verdade,  os dois prédios que compunham o conjunto do Copacabana Palace não apenas funcionava independentemente um do outro,  mas  concorriam ente si para os mesmos hospedes, freqüentemente de uma forma desleal.  Isto acontecia porque cada prédio apurava e distribuía a taxa de serviço separadamente um do outro, e todos os funcionários trabalhavam ou para o prédio principal, ou para o Anexo, e não se misturavam.   Como o setor de reservas do hotel funcionava no prédio principal, o pessoal do Anexo estavam convencidos que o setor de reservas favoreciam a ocupacao do prédio principal, em detrimento do Anexo.  Em represália, os mensageiros do Anexo eram orientados a abordar hospedes na piscina, e convidar-los a conhecer as instalacoes do Anexo, com vistas de promover suas mudanças para aquele prédio.  Na batalha de angariar mais hospedes, a areá da piscina era a “terra de ninguem”.  A concorrencia acirrada entre os dois prédios era apenas um dos problemas que eu enfrentava, mas logo percebi que o principal problema do hotel se relacionava ao sistema de apuracão e distribuicao da taxa de serviço.  Havia ao todo cinco sistemas diferentes de apuracão e distribuicao da taxa de serviço, que beneficiava grupos distintos de funcionários, de acordo com o setor em que trabalhavam.  Ao todo esses cinco sistemas de apuracão e distribuicao da taxa de serviço apenas beneficiavam em torno de 40% dos funcionários, pois os funcionários do “back of the house” não eram contemplados.  Isso criavam dois classes distintos de funcionários – os  que ganhavam muito dinheiro com a taxa de serviço, e os outros, que não ganhavam nada.  Alem disso, a taxa de serviço não aparecia como tal na conta do hospede, pois estava embutido no preço da diária, e descontado da receita para distribuir aos funcionários.  E ainda havia mais, o valor descontado não correspondia a 10% do valor da diária efetivamente pago pelo hospede, mas sim a 10% do valor da tabela cheia do apartamento ocupado.  A montante apurada era distribuída integralmente aos funcionários participantes, sem qualquer retencao para fazer frente aos encargos sociais, decimo-terceiro salario, pagamento de ferias etc.  Mesmo no caso do hotel conceder uma hospedagem cortesia por qualquer motivo, os funcionários recebiam 10% do valor do preço de tabela do apartamento ocupado.  Todos esses “direitos” haviam sido concedidos, e confirmados pela Justiça de Trabalho, e tiveram sua origem numa desastrada decisão do hotel, tomada em 1943, alguns meses antes da introducao pelo governo do Presidente Getúlio Vargas da Consolidacao das Leis do Trabalho – a CLT.  Nesta decisão de 1943, o hotel comunicou aos funcionários que iria implantar um sistema de taxa de serviço, e que todos os funcionários que trabalhavam em contacto direto com os hospedes, (recepcionistas, concierges, mensageiros, arrumadeiras, maitres, garçons, etc.) deixariam de receber qualquer salario, mas seriam recompensados exclusivamente pela distribuicao da taxa de serviço.  Em 1943, isto ate poderia parecer ser uma boa ideia, mas com o advento da CLT, e a introducao de um salario minimo obrigatório, e todos os demais direitos trabalhistas  resultantes da CLT por um lado, e a dinâmica da comercializacao hoteleira com a introducao de tarifas para atacadistas, tarifas corporativas, tarifas para grupos, e tarifas promocionais diversos por um outo lado, a decisão de 1943 havia se tornada uma desastre.  Em 1989, calculamos que o custo da distribuicao da taxa de serviço aos funcionários, e os encargos sociais resultantes,  custavam nada menos que 25% da receita de hospedagem do hotel, e isto sem começar a pagar os salários que todos faziam jus.  Para completar o quadro, constatamos que mais que 200 funcionários que desfrutavam da taxa de serviço eram veteranos com 30 ou 40 anos de serviço, ou ate mais.  Não eram optantes pelo FGTS (introduzido em 1966), e consequentemente desfrutavam de “estabilidade” no emprego pelo lei antigo, o que significava que qualquer demissão implicava no pagamento de uma indenizacao de dois salários mensais para cada ano trabalhado. 

Percebi logo que ou solucionava este problema, ou então iriamos todos afundar juntos com o hotel.  A situacao era simplesmente insustentavel.  Antes de enfrentar este problema, entretanto, ocorreu outro fato inusitado, que ilustra bem quantos desafios eu teria que enfrentar.  Assumi a direcao do hotel no inicio de outubro, que e justamente  o mês do dissidio coletivo anual da classe hoteleira no Rio de Janeiro.  Eu estava acostumado a acompanhar as discussões e negociacoes entre o sindicatos patronal e empregados há anos, e portanto conhecia bem todos os mecanismos.  O reajuste acordado em outubro de 1989 previa um aumento de exatamente 100% sobre os salários de outubro de 1988, que correspondia aproximadamente a taxa de inflacao no período, compensados os aumentos espontâneos porventura concedidos durante o ano.  No final de outubro entrou na minha sala o gerente de Recursos Humanos, com a folha de pagamento de outubro para eu aprovar.  Me disse que precisava mandar logo a relacao dos salários para o banco, senão o pagamento não sairia no fim do mês.  Trouxe uma copia do dissidio coletivo e me explicou que outubro era o mês de vigência do novo acordo salarial.  Examinei a folha, e percebi que todos os salários estavam majorados em 100% sobre o salario de setembro.  Falei com o gerente de Recursos Humanos,  “O reajuste de 100% previsto no dissidio e sobre os salários de outubro do ano passado, e não sobre o salario do mês passado.  Estou vendo que foram concedidos  vários adiantamentos por conta do dissidio ao longo do ano, inclusive um no próprio mês de setembro, que não foram compensados”  “E verdade” me respondeu o gerente de RH,  “mas aqui no Copa e tradicao aplicar sempre o aumento do dissidio sobre o ultimo salario recebido e não sobre o salario do ano passado”,  “E uma tradicao Interessante”, respondi, “mas lamento informa-lo que e uma tradicao que termine agora”.  Em vez de assinar, passei um grande X em todas as folhas  e mandei que tudo fosse recalculada, compensando os aumentos espontâneos concedidos.  O gerente de RH saiu da minha sala cabisbaixo, pois percebeu  que teria pouco tempo de sobrevida no hotel.  Ate hoje fico imaginando o que teria acontecido se eu fosse um  inexperiente recém chegado no pais. Muito provavelmente teria escorregado nesta casca de banana apresentada pelo gerente de RH, com consequencias desastrosas para a companhia.  Percebi também, que precisava formar uma equipe de confiança, com urgência.

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