Total de visualizações de página

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Explicando Brexit para Brasileiros


Já faz três anos e meio, desde o referendo de junho de 2016, que meus amigos brasileiros me pedem uma explicação sobre o resultado que determinou a saída do Reino Unido da União Europeia, uma decisão que para 99,9% dos meus amigos era tanto insano como incompreensível.  Eu mesmo custei a acreditar no resultado, até porque todas as pesquisas prévias indicavam uma vitória dos que queriam a permanência na UE, embora quanto mais próxima ficava a data do referendo essa aparente vantagem ia diminuindo.  Embora tenho dupla nacionalidade, não tive o direito de votar pois o voto era limitado aos britânicos residentes no Reino Unido, mas se eu pudesse, eu teria votado para "Remain" e contra a saída, e fiquei muito chateado com o resultado.  Mais tarde, cheguei a assinar uma petição que conseguiu colher mais de 6 milhões de assinaturas solicitando um novo referendo, mas isso acabou não dando em nada.

De qualquer forma, só voltei para Inglaterra um ano após o referendo ter sido realizado, mas me surpreendi ao encontrar um país totalmente dividido pela discussão em torno do "Brexit".  Logo percebi que e os argumentos de lado a lado haviam radicalizados de tal forma que não era mais possível haver uma discussão racional sobre o assunto já que os ânimos estavam demasiadamente exaltados.  Parte do problema era o inconformismo com o resultado por parte daqueles que haviam votados pela permanência, e que tentavam de todos as formas invalidar o resultado e cancelar o Brexit, ou pelo menos provocar a convocação de um novo referendo.   Do outro lado, os 51,9% do eleitorado que haviam votado a favor do Brexit não aceitavam qualquer discussão sobre o tema e exigiam o cumprimento do resultado,  pois, como havia dito Theresa May ao assumir o governo após a renuncia do primeiro-ministro David Cameron, "Brexit means Brexit".  Isso é o problema da democracia popular.  Se você pede que o eleitor responde  Sim, ou Não, para uma questão complexa como era a saída da UE,  não adianta depois reclamar se a resposta que recebe não é aquela que voce esperava, ou queria.  De qualquer forma, não é correto, como muitos fazem, de culpar David Cameron por ter convocado o referendo, e também não é correto, como faz boa parte da imprensa internacional, de considerar o voto pela saída  simplesmente como uma manifestação populista e anti-imigratória, embora o controle sobre a imigração fosse um dos temas mais relevantes do debate.  A possibilidade da realização de um referendo para decidir se o Reino Unido deveria ficar ou sair da União Europeia já rondava a politica britânica há pelo menos dez anos antes de Cameron prometer realiza-lo e a ideia tinha sido endossado por quase todos os partidos politicas.  É preciso voltar 25 anos no tempo para entender como um crescente sentimento anti-UE evoluiu, mas o forte crescimento da UKIP (UK Independence Party) principalmente após 2006, e cuja única bandeira era a saída do Reino Unido da União Europeia, e a ameaça que isso representava para o partido Conservador,  foram fatores decisivos que convenceram Cameron a incluir a promessa da realização de um referendo sobre a UE no manifesto do partido Conservador para as eleições gerais de 2015, em que, inesperadamente, o partido Conservador venceu.

Como então explicar os motivos pelo resultado do referendo?  Como ponto de partida, deve-se reconhecer que as razões são variadas e complexas e a pergunta não tem uma resposta simples.  De inicio, deve-se observar que o projeto da União Europeia e sua evolução de um mercado comum  para uma entidade que busca uma união cada vez mais próxima entre seus membros, e a consequente perda de soberania nacional que isso implica,  sempre foi visto com ceticismo por uma parcela importante da população britânica.  Seja por ser uma ilha afastada do continente europeia, ou seja por ter possuído até recentemente um império de dimensões globais, o fato é que os britânicos nunca se identificaram plenamente como europeias.  Um analise detalhado dos resultados do referendo demonstra grande variação na votação entre as regiões, e principalmente, entre as cidades maiores e o restante do país. O resultado combinado das 30 maiores cidades do país demonstrou que 55% votaram pela permanência na UE, mas essa contingencia de eleitores representava apenas 25% do eleitorado total, e os 75% restantes votaram 54% pela saída.  Mesmo nas cidades grandes, não houve unanimidade. Das 30 maiores 16 delas votaram pela saída, e enquanto cidades como Londres (59,9%), Liverpool (58,2%), Manchester (60,4%), Glasgow (66,6%) e Bristol (61,7%)  votaram pela permanência, cidades como Birmingham, o segundo maior colégio eleitoral após Londres votou pela saída, assim como Coventry, Portsmouth, Southampton, Nottingham, e Sunderland, entre outras.  Entre as 12 regiões eleitorais, apenas 3 (Escócia, Irlanda do Norte, e Londres) votaram pela permanência, com as demais regiões votando pela saída.  Para exemplificar ainda mais a divisão, dois dos quatros países que conjuntamente formam o Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte (Inglaterra e País de Gales) votaram pela saída, e os outros dois (Escócia e Irlando do Norte) votaram pela permanência.  É um Reino unido em nome, e pelo respeito pela monarca Rainha Elizabeth II, mas desunido politicamente, e com grandes variações de riqueza e pobreza, principalmente entre o norte (mais pobre) e o sul (mais rica).

O resultado do referendo provocou um grande debate sobre os fatores que contribuíram para a vitória daqueles que promoviam o voto pela saída da UE.  Entre as causas mais citadas foram;
           
              a) A perda de soberania nacional
              Pesquisas demonstraram que a questão da soberania nacional foi o principal motivo do voto                     pela saída da UE, sendo citado como principal motivo por 48% dos que votaram pela saída. A campanha pela saída da UE havia utilizado um simples mensagem de "take back control", ou seja, de retomar o controle do país, já que boa parte da população (de todas as classes sociais) não se conformavam com o fato que tanto o parlamento britânico, assim como seu judiciário, estavam subordinados aos seus congêneres europeias.  Além disso, o braço executivo da UE, a Comissão Europeia, era visto como uma entidade burocrática, não-eleita pelo povo, e consequentemente distante dos anseios do dia a dia do povo.
           
              b) Imigração 
              Antes de mais nada, deve-se observar que a imigração já era um tema contenciosa no Reino Unido  muito antes do país entrar para a União Europeia.  Isso devido a grande imigração de pessoas das antigas colônias britânicas após o fim da segunda guerra mundial, e a percepção que muitos desses imigrantes, principalmente muçulmanos, não haviam sido bem assimilados dentro da sociedade e cultura britânica.
Entretanto, a preocupação com a imigração tomou uma nova dimensão após a entrada de oito países da leste europeia na UE em 2004 que criou uma nova onda de imigração que teve como consequência sufocar os serviços públicos em muitas pequenas cidades, principalmente na leste da Inglaterra.  Para exemplificar, a cidade de Boston, em Lincolnshire, que tem 60.000 habitantes, viu sua população de estrangeiros aumentar em 16 vezes (de 1.000 para 16.000) entre 2005 e 2016.  No referendo, 75% de sua população votou pela saída da UE.  Foi a maior votação pela saída em todo o país.  Além da imigração europeia, ainda havia uma preocupação com a imigração síria, principalmente após Alemanha ter permitido a  entrada de um milhão de refugiados sírios em 2015.  Para completar o quadro, a campanha pela saída ainda previa que o país seria inundada com uma onda de imigração turca, caso Turquia fosse admitido na UE, como estava sendo negociado.
             
                c)  Situação Sócia-Econômica
                Muitos eleitores, principalmente aqueles residentes nas  regiões que sofriam de acentuada deprivação social no norte do país viu no referendo uma ocasião para registrar um voto de protesto contra o governo e contra o neoliberalismo e a globalização.  As áreas mais pobres no norte do país votaram maciçamente pela saída da UE.
             
                d)  Idade e Nível de Escolaridade
                Quanto mais velho era o eleitor mais propenso ele era de votar pela saída da EU e quanto mais novo mais propenso era de votar pela permanência.  Entre a população de 18 - 24 anos de idade mais de 70% votaram pela permanência, enquanto 64% da população acima de 65 anos de idade votaram pela saída.  Embora o comparecimento às urnas atingiu um nível de 72%, considerado elevado levando em conta que o voto não era obrigatório, o comparecimento das pessoas com mais de 65 anos atingiu quase 90%, enquanto o nível de comparecimento da faixa mais jovem ficou em 64%.  Houve também diferenças acentuadas de acordo com a escolaridade do eleitor.  68% daqueles com curso superior votaram pela permanência na UE enquanto 70% daqueles que estudaram até o nível secundário votaram pela saída, assim como 80% daqueles sem nenhuma qualificação acadêmica.

                e)  Efeito da Campanha
                Não há dúvida que a campanha pela saída da UE foi mais focada e trazia mensagens com forte apelo emocional como a ameaça de imigração crescente e descontrolada de países da leste europeia.  Fora a mensagem central da campanha de "take back control", um outro forte argumento que foi utilizado foi a alegação que o país economizaria £350 milhões (aproximadamente R$1,7 bilhões) por semana com a saída da UE, e que esse dinheiro poderia ser utilizado para melhorar o serviço público de saúde, o NHS.  Em contraste, a campanha pela permanência focou muito na questão dos supostos danos financeiros e econômicos que a saída causaria, além de fazer  outras previsões nefastas e catastróficas e permitiu que seus adversários a apelidaram de "Project Fear", ou Projeto Medo.  Também contribuiu para o sucesso da campanha pela saída o fato que ela foi liderado pelo carismático Boris Johnson, ex-Prefeito de Londres (e atual primeiro-ministro).  Além de ser um figura com forte presença na mídia, era considerado o politico com maior credibilidade junto a população.

                f)  A Posição dos Partidos Políticos
                Todos os principais partidos políticos fizeram campanha pela permanência na UE.  O único partido que fazia campanha pela saída era o UKIP (UK Independence Party), liderado pelo radical Nigel Farage, cujo único razão de existir era a ambição de tirar o Reino Unido da União Europeia. O partido de governo, o partido Conservador, liderado pelo primeiro-ministro David Cameron era favorável a permanência mas tanto seus ministros como seus membros do parlamento eram liberados para tomar suas próprias decisões de acordo com a consciência de cada um.  Em função disso, vários ministros, e aproximadamente de 45% dos seus membros de parlamento fizeram campanha pela saída.  O principal partido de oposição, o partido Trabalhista, também se declarou a favor da permanência mas manteve uma atitude ambígua ao longo da campanha, muito em função do fato que seu atual líder, o marxista convicto Jeremy Corbyn, tem um longo histórico de hostilidade para a UE por considerá-lo um clube capitalista.

                g)  Influência da Mídia e Redes Sociais
               A grande maioria dos jornais de maior circulação do país como o Daily Mail, o Daily Express, e The Sun, fizeram agressivos campanhas pela saída.  Aliás, a hostilidade desses tabloides para a UE vinha de longa data e contribuiu muito para a má imagem da UE perante uma parte da opinião pública britânica.  A maneira sensacionalista e antiético em que que esses jornais abordam qualquer assunto fazia da UE um alvo fácil para constantes críticas, e a consequente percepção do povo que era "Bruxelas" (sede da UE) a culpada para todos suas dificuldades.   Além do tabloides já citados, o Daily Telegraph, um jornal considerado de qualidade, também apoiou a campanha pela saída, mas os demais jornais de qualidade como The Times, The Guardian, Financial Times, e revistas de prestigio como The Economist optaram por apoiar a campanha pela permanência.

                Uma área onde a campanha pela saída encontrou grande ressonância  foi nas redes sociais, onde suas mensagens de cunho emocional encontrou grande aceitação por parte dos usuários.  A campanha pela saída dominou completamente todas as principais plataformas como Facebook, Instagram e Twitter, sendo que no caso do Instagram, a campanha pela saída, além de ter o dobro de apoiadores, foram cinco vezes mais ativos nas suas postagens.  Novamente, as mensagens simples e de cunho emocional  da campanha pela saída mostraram muito mais eficácia que os dados econômicos divulgados pela campanha pela permanência.  Há também forte suspeita que a Russia participou ativamente pela campanha pela saída nas redes sociais.

Bem, as explicações acima ajudam a esclarecer alguns dos motivos que levaram a maioria dos eleitores a votar pela saída do Reino Unido da União Europeia.  Como seria de imaginar, o resultado do referendo caiu como uma bomba no cenário politico britânico.  A primeira vítima foi o primeiro-ministro, David Cameron, que renunciou ao cargo assim que o resultado foi anunciado.  Após um breve intervalo, o partido Conservador elegeu Theresa May como líder do partido, o que fez dela primeira-ministra já que o partido Conservador mantinha uma maioria dentro do parlamento.  Em março de 2017, nove meses após o referendo, o governo britânico formalmente comunicou ao UE a sua intenção de deixar o bloco, o que seria realizado após o período de dois anos previstos em lei para negociar os termos da saída, ou do divórcio, como a imprensa brasileira gosta de referir. Consequentemente, a data definitivo para a saída do Reino Unido da UE foi fixado para 29 de março de 2019.

Em meados de abril de 2017, quando o prestigio da primeira-ministra estava no seu ponto mais elevado, e animada pelas pesquisas de opinião pública que indicava que o partido Conservador mantinha uma liderança de 20 pontos sobre o partido Trabalhista, a primeira-ministra surpreendeu a nação ao anunciar eleições gerais para o inicio de junho.  A primeira-ministra acreditava que a liderança nas pesquisas resultaria no partido Conservador conseguindo corrigir sua frágil maioria no parlamento, obtendo uma ampla maioria, o que ela julgava ser necessário para assegurar o apoio do parlamento durante o difícil período de negociação com a UE.  Contrariando sua expectativa entretanto, o resultado das eleições foi desastrosa para Theresa May.  Não apenas o partido Conservador não conseguiu ampliar como perdeu sua maioria parlamentar, e só foi possível se manter no poder depois de negociar uma aliança com a DUP (Democratic Unionist Party), o conservador e ferozmente unionista partido norte-irlandesa.

O que temos a partir desse momento é uma primeira-ministra absolutamente fragilizada.  Além de depender dos votos da DUP, não tinha mais como isolar os elementos mais radicais do partido Conservador que desejava um rompimento total com a UE e uma saída sem qualquer acordo.  Para entender melhor, pode se dizer que o partido Conservador no parlamento está dividido em várias facções.  Há os que apoiam um "no-deal", o seja, uma saída sem qualquer acordo.  É a opção mais radical, e o mais danoso à economia; há os que apoiam um "Hard Brexit" ou seja, um rompimento completo, mas negociado. É a opção preferida pela maioria dos que votaram pela saída; e há os que apoiam um "Soft Brexit",  ou seja, mantendo o Reino Unido o mais próximo possível da UE.  É a opção preferida dos que votaram contra a saída no referendo.  Ainda há outros no partido que estão a favor de um novo referendo, ou de cancelar o processo do Brexit por completo.  Nenhum desses grupos possui uma maioria dentro do partido conservador, daí a dificuldade de aprovar quaisquer das opções.  E olha que estamos falando apenas do partido  do governo, o partido Conservador.  Quando leva em conta os votos dos partidos de oposição, todos eles empenhados acima de qualquer outra consideração em dificultar a vida do governo,  vê-se como é difícil para o governo avançar com qualquer proposta.  De qualquer forma, não obstante as dificuldades relacionados acima Theresa May iniciou o processo de negociação com a UE e após vários meses de difíceis negociações chegou a um acordo, que precisava ser ratificado por todos os países da UE e pelo parlamento europeia e pelo parlamento britânico.  Apesar dos esforços do governo May, o parlamento britânico rejeitou os termos do acordo em três ocasiões entre janeiro e março de 2019, em parte porque a ala mais radical do partido Conservador considerava que o acordo deixava o Reino Unido próximo demais ao UE
 e principalmente, porque muitos não concordavam com o mecanismo proposto no acordo sobre como tratar a fronteira entre Irlanda e Irlanda do Norte.(O "Irish Back-stop").  Diante desse impasse o prazo para a saída do Reino Unido foi estendido até 31 de outubro de 2019, e Theresa May renunciou a liderança do partido Conservador e consequentemente ao cargo de primeira-ministra.  Após um processo para a escolha de um novo líder, o partido Conservador acabou por escolher Boris Johnson, o ex-Prefeito de Londres e um dos principais figuras na campanha pele saída do Reino Unido da UE, e no final de julho de 2019 ele assumiu o cargo de primeiro-ministro.

Assim que assumiu o governo, Boris Johnson anunciou o inicio de uma nova época de ouro para o país.  Avisou que iria negociar um novo acordo de saída com a UE, mas que o Reino Unido sairia do bloco impreterivelmente em 31 de outubro, com acordo ou sem acordo.  Chegou a afirmar que preferia morrer do que pedir uma extensão do prazo para além de 31 de outubro.  Após várias tentativas mal-sucedidas de reduzir a influencia de parlamento, inclusive um polemico plano de suspender a atividade parlamentar durante cinco semana (bloqueada por decisão do Supremo Corte), e outras tentativas frustradas de convocar novas eleições, foi obrigado a aceitar a impossibilidade de cumprir a promessa de sair da UE em 31 de outubro, e solicitar uma nova prorrogação da data, agora estendida até 31 de janeiro de 2020.  Não obstante isso,  e para surpresa geral, em meados de outubro Boris Johnson conseguiu negociar alterações importantes no acordo de saída negociado por Theresa May, principalmente relacionada a questão da fronteira entre Irlanda e Irlanda do Norte,  Pelo novo acordo, a Irlanda do Norte continuará dentro de uma reunião alfandegária com Irlanda e consequentemente com a EU, criando assim uma barreira alfandegária entre a Irlanda do Norte e o restante do Reino Unido.  Esse arranjo tem um prazo determinado para existir enquanto não esteja determinado qual será o futuro relacionamento comercial entre o Reino Unido e a UE.  Esse novo acordo de saída foi aprovado pelo parlamento britânico em primeira leitura, mas foi suspenso pelo governo quando o parlamento recusou de cumprir o curto prazo solicitado para a aprovação final, e com isso bloqueou a possibilidade da saída da UE em 31 de outubro.  Por fim, o governo lançou uma nova tentativa para convocar eleições gerais para dia 12 de dezembro e  após discussões no parlamento as eleições gerais acabaram sendo convocados para esta data.  É a primeira vez desde 1923 que eleições gerais são realizados em dezembro, época do ano em que os britânicos estão tradicionalmente mais preocupados com seus planos para Natal do que em eleger um novo parlamento. Aliás, é extremamente rara realizar eleições em quaisquer dos meses do inverno.  Agora, o atual parlamento será dissolvido e a campanha eleitoral começará na próxima semana.

E o que vai acontecer nas eleições?  Tudo é possível.  É possível que Boris Johnson e o partido Conservador consiga ampla maioria no parlamento de forma a assegurar que o Reino Unido sai da UE em 31 de janeiro de 2020, ou até antes. É uma eleição que Boris Johnson queria, e gostar dele ou não, tem que reconhecer que é o politico britânico com maior apelo popular, seja por seu irreverência ou por seu estilo carismático.  Mas é uma eleição de alto risco, que pode não resolver o impasse no parlamento, ou até inviabilizar Brexit completamente.  É quase certo que o partido Liberal-Democrata vai tirar cadeiras dos Conservadores no sul do país, assim como o SNP (Scottish National Party) vai tirar cadeiras dos Conservadores na Escócia.  Para a estratégia do Boris Johnson dá certo, terá que ganhar muitas cadeiras do partido Trabalhista para compensar essas perdas, e ainda formar a maioria que necessita no parlamento.   Para mim, isso é o maior incógnito.  As últimas pesquisas demonstram um queda acentuada na popularidade do seu líder Jeremy Corbyn, mas ele surpreendeu nas últimas eleições em 2017, e pode surpreender de novo.  De qualquer forma, pode-se preparar para uma campanha eleitoral agitada e movimentada.   Boa parte do eleitorado britânico estão absolutamente saturados pelas discussões em torno do Brexit e estão ansiosas para virar a página e seguir adiante com as suas vidas.  Vamos aguardar para ver no que vai dá.
.
.

         

             









terça-feira, 1 de outubro de 2019

Recordar é Viver

Dei conta que hoje, dia 1º de outubro de 2019, faz exatamente 30 anos que assumi a gestão do Copacabana Palace, poucas semanas após o hotel ter sido adquirido da família Guinle pelo grupo inglês, Sea Containers, liderado pelo saudoso e carismático James Sherwood, que teve o mérito de enxergar em 1989 o que mais ninguém enxergavam, ou seja, que o Copacabana Palace ainda teria um futuro brilhante.  Enfim, são tantas lembranças, de fatos e de pessoas,  que a minha memória me leva de volta para  uma época distante e saudosa.

Tanta coisa se passou nesses 30 anos e tantas coisas mudaram, que mal dá para acreditar que são 'apenas" 30 anos.  De fato, qualquer semelhança do Copacabana Palace de 1989 com o Copacabana Palace de 2019 é mera coincidência, da mesma forma que o conceito de hotelaria de luxo em 2019 é totalmente diferente daquele existente em 1989.  Mas não é só isso, o mundo que vivemos hoje é tão diferente daquele de 30 anos atrás que até parece que estamos vivendo num outro mundo.  Pode se imaginar que em 1989, não havia um único computador no hotel e todos os processos internos desde aa reservas aos check-ins/check-outs eram realizados manualmente?  Que toda a escrituração contábil era manual?  Que não havia câmaras de segurança?  Que não existia telefones celulares? Que até os elevadores necessitavam de ascensoristas para funcionar?

O Copacabana Palace em 1989 era um hotel considerado antiquado e decadente, que ainda vivia de glórias passadas, principalmente do seu auge nas décadas de 1940 e 1950, quando o hotel viveu sua melhor fase, assim com o bairro de Copacabana, mas já com 66 anos de idade o hotel não conseguia mais competir com os novos "hotéis de cinco estrelas" como o Meridien, o Rio Palace, o Caesar Park, o Sheraton, o Rio Othon Palace, o Nacional, e o Intercontinental que haviam surgido na década de 1970 e dominavam o cenário hoteleiro carioca.  A família Guinle havia tentado aprovar vários projetos imobiliários, incluindo um do arquiteto Paulo Casé que resultaria na demolição do atual prédio e a construção de um novo hotel em forma de pirâmide que teria 700 apartamentos.  Esse, assim como outros projetos, foram todos rejeitados e acabaram por resultar no tombamento do hotel pelos órgãos de patrimônio histórico.  Para a família Guinle, o tombamento representou o "beijo de morte" para o Copacabana Palace.  Na década de 1980, todos acreditavam que somente os hotéis grandes de 400 ou 500 apartamentos poderiam ser competitivos, e o Copacabana Palace só dispunha de 145 apartamentos no seu prédio principal, e mais 78 no prédio do Anexo, que na época funcionava como um hotel independente, com sua entrada separada e quadro de pessoal distinto.  Se tudo isso não bastava, o hotel ainda contava com outro grande problema, que era a existência de uma gigantesco passivo trabalhista resultante do fato do hotel ter mais de 200 funcionários "estáveis", todos com mais de 30 anos de casa, que não eram optantes pelo regime do FGTS, que ainda se beneficiavam de um modelo de cobrança de taxa de serviço singular e perversa, que resultavam em 25% da receita de hospedagem ser subtraída em beneficio desse grupo antes que o hotel pagasse uma conta sequer.

Bem, foi isso o quadro com o qual me deparei em outubro de 1989,  ainda havia as  "cascas de banana" a evitar.  O mês de outubro é o mês do dissídio coletivo para o sindicato hoteleiro no Rio de Janeiro, fato que eu conhecia bem, pois já trabalhava há mais de 20 anos em hotelaria no Rio de Janeiro. Lá pelo dia 20 do mês fui procurado pelo Gerente de Recursos Humanos que trazia a folha de pagamento do mês de outubro para minha aprovação.  Me explicou que o mês de outubro era o mês do dissídio coletivo e me trouxe uma cópia do dissídio que indicava um aumento de 100% sobre os salários de um ano atrás (lembram -se que ainda vivíamos épocas de inflação alta).  Olhei atentamente a folha e disse, "estou vendo que você aplicou o 100% de aumento sobre os salários de setembro, e não compensou os aumentos espontâneos que foram concedidos em janeiro e setembro, conforme a lei manda."  "Sim", respondeu o Gerente de Recursos Humanos, "mas é tradição do Copa não compensar os aumentos espontâneos concedidos ao longo do ano, e aplicar o aumento do dissídio sobre o salário do mês passado".  "Ahh é", respondi,  "então é uma tradição que acaba agora".  Rasquei a folha toda e mandei recalcular compensando os aumentos espontâneos, e fiquei pensando, se eu fosse um gringo recém chegado, talvez caísse nessa armadilha.  E é claro, tratei logo que substituir o Gerente de Recursos Humanos.