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terça-feira, 1 de outubro de 2019

Recordar é Viver

Dei conta que hoje, dia 1º de outubro de 2019, faz exatamente 30 anos que assumi a gestão do Copacabana Palace, poucas semanas após o hotel ter sido adquirido da família Guinle pelo grupo inglês, Sea Containers, liderado pelo saudoso e carismático James Sherwood, que teve o mérito de enxergar em 1989 o que mais ninguém enxergavam, ou seja, que o Copacabana Palace ainda teria um futuro brilhante.  Enfim, são tantas lembranças, de fatos e de pessoas,  que a minha memória me leva de volta para  uma época distante e saudosa.

Tanta coisa se passou nesses 30 anos e tantas coisas mudaram, que mal dá para acreditar que são 'apenas" 30 anos.  De fato, qualquer semelhança do Copacabana Palace de 1989 com o Copacabana Palace de 2019 é mera coincidência, da mesma forma que o conceito de hotelaria de luxo em 2019 é totalmente diferente daquele existente em 1989.  Mas não é só isso, o mundo que vivemos hoje é tão diferente daquele de 30 anos atrás que até parece que estamos vivendo num outro mundo.  Pode se imaginar que em 1989, não havia um único computador no hotel e todos os processos internos desde aa reservas aos check-ins/check-outs eram realizados manualmente?  Que toda a escrituração contábil era manual?  Que não havia câmaras de segurança?  Que não existia telefones celulares? Que até os elevadores necessitavam de ascensoristas para funcionar?

O Copacabana Palace em 1989 era um hotel considerado antiquado e decadente, que ainda vivia de glórias passadas, principalmente do seu auge nas décadas de 1940 e 1950, quando o hotel viveu sua melhor fase, assim com o bairro de Copacabana, mas já com 66 anos de idade o hotel não conseguia mais competir com os novos "hotéis de cinco estrelas" como o Meridien, o Rio Palace, o Caesar Park, o Sheraton, o Rio Othon Palace, o Nacional, e o Intercontinental que haviam surgido na década de 1970 e dominavam o cenário hoteleiro carioca.  A família Guinle havia tentado aprovar vários projetos imobiliários, incluindo um do arquiteto Paulo Casé que resultaria na demolição do atual prédio e a construção de um novo hotel em forma de pirâmide que teria 700 apartamentos.  Esse, assim como outros projetos, foram todos rejeitados e acabaram por resultar no tombamento do hotel pelos órgãos de patrimônio histórico.  Para a família Guinle, o tombamento representou o "beijo de morte" para o Copacabana Palace.  Na década de 1980, todos acreditavam que somente os hotéis grandes de 400 ou 500 apartamentos poderiam ser competitivos, e o Copacabana Palace só dispunha de 145 apartamentos no seu prédio principal, e mais 78 no prédio do Anexo, que na época funcionava como um hotel independente, com sua entrada separada e quadro de pessoal distinto.  Se tudo isso não bastava, o hotel ainda contava com outro grande problema, que era a existência de uma gigantesco passivo trabalhista resultante do fato do hotel ter mais de 200 funcionários "estáveis", todos com mais de 30 anos de casa, que não eram optantes pelo regime do FGTS, que ainda se beneficiavam de um modelo de cobrança de taxa de serviço singular e perversa, que resultavam em 25% da receita de hospedagem ser subtraída em beneficio desse grupo antes que o hotel pagasse uma conta sequer.

Bem, foi isso o quadro com o qual me deparei em outubro de 1989,  ainda havia as  "cascas de banana" a evitar.  O mês de outubro é o mês do dissídio coletivo para o sindicato hoteleiro no Rio de Janeiro, fato que eu conhecia bem, pois já trabalhava há mais de 20 anos em hotelaria no Rio de Janeiro. Lá pelo dia 20 do mês fui procurado pelo Gerente de Recursos Humanos que trazia a folha de pagamento do mês de outubro para minha aprovação.  Me explicou que o mês de outubro era o mês do dissídio coletivo e me trouxe uma cópia do dissídio que indicava um aumento de 100% sobre os salários de um ano atrás (lembram -se que ainda vivíamos épocas de inflação alta).  Olhei atentamente a folha e disse, "estou vendo que você aplicou o 100% de aumento sobre os salários de setembro, e não compensou os aumentos espontâneos que foram concedidos em janeiro e setembro, conforme a lei manda."  "Sim", respondeu o Gerente de Recursos Humanos, "mas é tradição do Copa não compensar os aumentos espontâneos concedidos ao longo do ano, e aplicar o aumento do dissídio sobre o salário do mês passado".  "Ahh é", respondi,  "então é uma tradição que acaba agora".  Rasquei a folha toda e mandei recalcular compensando os aumentos espontâneos, e fiquei pensando, se eu fosse um gringo recém chegado, talvez caísse nessa armadilha.  E é claro, tratei logo que substituir o Gerente de Recursos Humanos.

Um comentário:

  1. Sr Philip,

    Foi um privilégio ter trabalhado com o senhor! Orgulho e gratidão

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