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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O Copacabana Palace e o Patrimônio Histórico


Apesar de que o plano de construir um segundo Anexo foi abandonado no início dos anos 2000, o episódio ainda rendeu algumas sequelas, algumas das quais perduram até hoje.  Isto porque no final de 1999 a Secretaria de Finanças do Município, com o intuito de confirmar a isenção de pagamento do imposto territorial urbano (IPTU) que todos os prédios tombados desfrutam - desde que adequadamente mantidos - solicitou á Secretária de Cultura um parecer no sentido de confirmar que o Copacabana Palace estava zelando pelo bem tombado de acordo com a sua obrigação.    Para nossa grande surpresa, a resposta da Secretária de Cultura foi negativa, com o argumento que a existência de um projeto de construção de um segundo Anexo, nesta altura já aprovado pela Prefeitura do Rio de Janeiro (embora ainda condicionada a aprovação da Iphan) era uma clara demonstração que o Copacabana Palace não estava respeitando o espirito do tombamento.  Segundo o relator do processo, a existência de um projeto aprovado, mesmo que não realizado, obrigava o Conselho a supor que um dia o segundo Anexo seria construído, e portanto a resposta deveria ser dada presumindo a existência desse novo Anexo.  Diante dessa resposta negativa, a Secretária de Finanças se viu obrigado a cancelar a isenção do IPTU que o hotel até então desfrutava e emitiu novas guias cobrando retroativamente todo o imposto supostamente devido desde 1990, ano em que havia entrado em vigor a isenção.  Tratava-se de um valor altíssimo, e apesar de várias tentativas de encontrar uma solução administrativa para a questão, isto não foi possível, de forma que no final de 2013 a questão ainda está na esfera da Justiça aguardando uma decisão.

De qualquer forma, a perda da isenção do IPTU alertou o hotel para a necessidade de estreitar o relacionamento com o pessoal do Patrimônio Histórico visando estabelecer um melhor entendimento das exigências do Patrimônio, e a partir disso desenvolver um programa de reformas que atendia tanto as exigências do Patrimônio Histórico como do grupo Orient-Express.  Até então, o relacionamento entre o hotel e o Patrimônio Histórico tinha ficando unicamente nas mãos do escritório de arquitetura  inicialmente contratado para assessorar o decorador francês Gérard Gallet, o escolhido do Sherwood para conduzir as reformas do hotel.  A filosofia de trabalho desse escritório era de cuidar das aprovações enquanto as obras iam sendo executadas, mas nem sempre essa filosofia produzia bons resultados.  Depois de várias frustrações, foi realizado uma reunião na Prefeitura do Rio com as pessoas responsáveis pela área de Patrimônio Histórica e o próprio James Sherwood o que resultou num acordo em que o hotel se obrigou a cumprir uma serie de mais de 40 itens exigidos pelos órgãos do Patrimônio Histórico, algumas das quais sendo correções de obras de reforma já realizadas incorretamente pelo Orient-Express. Também se determinou que a partir daquele momento nenhuma obra nova fosse iniciada sem a completa aprovação prévia dos órgãos de Patrimônio Histórico. Com este acordo, foi também reestabelecida a isenção do IPTU para os anos futuros.  Foi a partir desse momento que o hotel contratou o escritório de Lúcia Vieira para administrar a obra, e com o passar do tempo, essa nova filosofia de relacionamento com os órgãos de preservação demonstrou ser extremamente positiva para o hotel, já que os técnicos responsáveis, uma vez convencidos das boas intenções do grupo Orient-Express em relação à preservação do hotel, e satisfeitos por comprovar que o grupo estava cumprindo com a execução das exigências, passaram a atuar mais como conselheiros do que fiscais, o que permitiu que na ultima década o Orient-Express pudesse avançar na reforma do hotel e finalmente concluir toda a reforma sem ferir nenhuma exigência do Patrimônio Histórico.  Não é incomum ouvir criticas em relação às dificuldades de relacionamento entre empresários e os órgãos de Patrimônio Histórico, mas no caso do Copacabana Palace, posso afirmar que o relacionamento foi sempre altamente profissional, e até gratificante, e não é exagero afirmar que se não fosse por eles, o hotel não seria tão bom, nem tão bonito, como hoje é.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

"Niemeyer e o Segundo Anexo"


Uma das consequências da melhoria na taxa de ocupação a partir de 1997 foi a renovação da determinação do James Sherwood em ampliar o numero de apartamentos existentes no hotel.  Desde o advento dos grandes hotéis na orla de Copacabana durante a década de ’70, havia se firmado um concenso que a única maneira de tornar o Copacabana Palace competitivo era de ampliar o numero de apartamentos existentes nos dois prédios que formam o conjunto do Copacabana Palace.  Isto porque, apesar de sua grande amplitude, os dois prédios consistiam de apenas 223 apartamentos na sua totalidade, e isto contrastava negativamente em comparação com os 530 apartamentos do Meridien, os 560 do Rio Othon, os 415 do Rio Palace, e assim por diante.  A família Guinle, antigos proprietários do hotel, haviam apresentado um projeto que consistia na derrubada do prédio principal a sua substituição de uma nova torre que teria 700 apartamentos.  Foi o clamor publico contra este projeto que levou ao tombamento do prédio principal, e o sepultamento de qualquer chance de ampliar o hotel.  Quando James Sherwood adquiriu o hotel em 1989, estava ciente do tombamento, e da necessidade de manter a fachada inalterada, mas achava que mesmo assim poderia ampliar o numero de apartamentos construindo novos apartamentos em diversos espaços ociosos dentro do hotel. Na sua avaliação inicial, o Sherwood considerava que havia espaços suficientes para chegar a 300 apartamentos.  Infelizmente, nenhum dos espaços identificados por Sherwood como possíveis área de ampliação demonstrou ter viabilidade.  Uma das ideias do Sherwood era de construir apartamentos em volta da piscina.  Para isso, ele queria que o muro divisório com o prédio vizinho do Chopin recuasse quatro metros dentro da servidão, ou que, além de ser impossível de aprovar, ainda teve como consequência acirrar os ânimos dos nossos ilustres vizinhos, que levou um bom tempo para serenar.  Outra área de ampliação, segunda a visão do Sherwood, era debaixo do telhado do antigo casino, com apartamentos voltados tanto para a quadra de tênis como para a Avenida N.S. de Copacabana.  Este projeto, assim como outros apresentados, foi sumariamente rejeitado pelo Patrimônio Histórico.  Inicialmente, o Sherwood ficava frustrado em não conseguir ampliar o número de apartamentos, mas na medida em que o tempo ia passando, e a ocupação do hotel mantinha-se baixa, esse entusiasmo de ampliar o hotel foi diminuindo.  No final da década de ’90, entretanto, esse entusiasmo de ampliar o hotel voltou, e desta vez, o Sherwood encontrou na pessoa do então Prefeito da cidade, Luís Paulo Conde, uma pessoa disposta a ajuda-lo.  O Conde, além de Prefeito, era também arquiteto, e antes de ser eleito Prefeito havia sido o Secretário de Obras da cidade.  Um dos dilemas que o hotel enfrentava era o que fazer com os antigos salões do casino, voltados para a Avenida Nossa Senhora de Copacabana, e há muito tempo abandonados.  Eram espaços valiosos, mas que em nada contribuíam para o resultado do hotel.  Com o incentivo do Prefeito, o Sherwood apresentou então um projeto para a construção de um novo prédio - um segundo Anexo - ocupando todo o espaço antes ocupado pelos salões do antigo casino.  Seria um prédio de 16 andares e teria um total de 162 novos apartamentos.  O novo prédio seria integrado ao prédio existente através de uma conexão situada na atual quadra de tênis, de modo que a entrada única do hotel continuaria a ser pela a Avenida Atlântica.  Na minha avaliação, tal projeto, caso fosse concretizado, teria consequências catastróficas para o futuro do Copacabana Palace, pois a ampliação do hotel em mais de 70%, sem nenhuma ampliação das áreas públicas, e com apenas limitadas expansões das áreas de serviço, comprometeriam seriamente a qualidade dos serviços oferecidos.  Além disso, a existência de um hotel de 385 apartamentos obrigaria o hotel a aceitar reservas de segmentos do mercado turístico que fogem da definição de mercado de luxo, com consequências negativas para a imagem do hotel.  Não obstante meus argumentos, o Sherwood demonstrou determinação em seguir adiante com a aprovação do projeto.  O Prefeito Conde se tornou um grande aliado, pois achava que a nova construção iria revitalizar uma área degradada nos fundos do hotel e com a sua ajuda, o projeto foi aprovado tanto na Prefeitura como nos órgãos de Patrimônio Histórico, tanto na esfera municipal, como na esfera estadual.  Porém, quando o projeto chegou ao escritório regional da Iphan no Rio de Janeiro, já na esfera federal, encontrou obstáculos na aprovação que nem o Prefeito Conde foi capaz de superar.  Depois de algum tempo, e muita pressão politica, o projeto saiu do escritório regional no Rio de Janeiro e foi encaminhado para a administração central da Iphan em Brasília, e lá permaneceu sem notícias por vários meses.  Enquanto isso, o Sherwood, em Londres, continuava a fazer lobby para a aprovação do projeto com todos os embaixadores, ministros, e outras autoridades brasileiras que passassem pela cidade.  Este trabalho do Sherwood rendeu frutos, pois após algum tempo, e fomos procurados pelo próprio Presidente da Iphan, que nos disse basicamente o seguinte; Da forma que o projeto se encontrava, seria muito difícil aprova-lo, pois o mesmo já havia saído do Rio “contaminado” por um parecer negativo.  A sugestão do Presidente da Iphan era que devíamos substituir o projeto em aprovação por outro projeto, de autoria do Oscar Niemeyer.  Segundo a ótica do Presidente da Iphan, seria muito pouco provável que um projeto do Niemeyer não fosse aprovado.  Nós disse ainda que ele já havia conversado com Niemeyer sobre este assunto e que Niemeyer concordaria em fazer o projeto, caso fosse convidado.    Levamos então o assunto para Londres, e não demorou muito para vir à resposta, Sherwood concordou em substituir o projeto por outro de autoria do Niemeyer. 

Os subsequentes contatos com Niemeyer foram, no mínimo, folclóricos.  Nesta altura o Niemeyer já estava com 95 anos de idade.  Não obstante isso se mantinha totalmente lúcido e se locomovia bem, embora lentamente.  Na sua primeira visita ao hotel, olhou longamente para a fachada com um olhar contemplativo, e depois de algum tempo se virou para mim e disse “Este prédio é uma m****, jamais devia ter sido tombado!” Não achei prudente explicar que o prédio foi tombado pelo seu significado histórico, não arquitetônico.  Numa outra ocasião, já desfrutando de mais intimidade com o grande homem, perguntei, “O Senhor ainda se identifica como comunista?”, “Comunista não”, veio à resposta “Sou Stalinista, Stalin foi o maior homem do século XX!” O projeto original do novo Anexo que havíamos apresentado contemplava uma fachada com características que harmonizava com o prédio existente.  O projeto de Niemeyer, em contraste, era totalmente o oposto.  Tratava-se de uma fachada totalmente em vidro fumê preto, com apenas a marquise da entrada do Teatro mantido.  De qualquer maneira, o Sherwood gostou do projeto e Niemeyer, invertendo o caminho normal das aprovações, nos disse, “Em 30 dias, eu aprovo este projeto na Iphan em Brasília, depois vocês tratam de obter as aprovações nos níveis estadual e municipal, pois com essa gente, eu não trato”.  Apesar do otimismo do Niemeyer, a resposta da Iphan não vinha. O tempo foi passando, e nada de aprovações.  Finalmente, conseguimos desenvolver um “business plan” e demonstrar para Sherwood que havia um alternativo para os antigos salões do casino, que seria a sua transformação em salões de eventos.   Depois de muitas discussões, o Sherwood aprovou o novo plano e com isso a ideia de construir um novo prédio foi definitivamente sepultada.  No seu livro de memorias, o Sherwood identifica a não concretização do novo prédio como sendo a sua maior frustração,  em relação ao Copacabana Palace, mas também reconhece que os novos salões se tornaram um grande sucesso, e termina dizendo “so who am I to complain?”



segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

"Salvo por Wall Street"


Após a conclusão da primeira etapa das obras de reforma, no final de 1996, o Copacabana Palace passou novamente a ter todos seus apartamentos disponíveis para alugar, o que não havia acontecido desde o inicio de 1994.  Embora todos os apartamentos do hotel haviam sidos objetos de algumas melhorias, apenas 30% do total dos apartamentos atendiam a um padrão considerado de luxo de acordo com os próprios padrões do grupo Orient-Express. Isso não deixava de ser um resultado decepcionante, considerando que o hotel já pertencia há sete anos ao grupo Orient-Express, mas, as limitações financeiras do grupo de um lado, e a falta de confiança na viabilidade financeira futura do hotel por outro lado - compreensível após amargurar sete anos de prejuízos operacionais - foram os responsáveis por esta situação.  Contribuiu também a imagem de insegurança que a cidade do Rio de Janeiro desfrutava tanto no mercado nacional como internacional, e a consequente diminuição de turismo de lazer, o carro chefe tanto do grupo Orient-Express como da cidade do Rio de Janeiro. Em 1996, o Copacabana Palace representava uma pesada ônus para o grupo Orient-Express e não faltava quem achasse que a melhor solução seria vendê-lo  na primeira oportunidade.

 Por sorte, a conclusão das obras do hotel coincidiu com uma melhora repentina e inesperada na demanda de hospedagem no Rio de Janeiro, após vários anos de maus resultados na hotelaria carioca, e isso permitiu um crescimento expressivo na taxa de ocupação do hotel, com reflexo imediato nos resultados financeiros.  Este aumento de demanda foi movido quase inteiramente pelo crescimento do mercado corporativo internacional – e mais especificamente, pelos grandes Bancos de Investimento - atraídos pelo sucesso do Plano Real, e do programa de privatizações do Governo do Fernando Henrique Cardoso.  Este aumento de demanda no mercado corporativo durou até o ano de 2001 e permitiu que o hotel apresentasse resultados cada vez melhores, pois não apenas os jovens financistas de Wall Street viajavam constantemente, como gastavam pequenas fortunas em cada viagem. Para se ter uma ideia do impacto desse mercado no movimento do hotel, no ano de 2000, nada menos que 14 dos 20 melhores clientes do hotel eram Bancos de Investimento.  Essa mudança brusca nos resultados do hotel mudou completamente o pensamento do Orient-Express em relação ao futuro do hotel.  Em vez de ser o hotel problema, que atravancava o crescimento do grupo, o Copacabana Palace passou a ser visto como uma grande estrela, capaz de mudar para melhor o próprio destino do Orient-Express. A partir de então, o grupo passou a contemplar novas obras que por fim resultariam num hotel verdadeiramente de categoria de luxo internacional.  Mas antes disso acontecer, ainda teria muita agua a passar debaixo da ponte!