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segunda-feira, 28 de julho de 2014

O Começo do Fim para Orient-Express Hotels

Se o ano de 2006 foi marcado pelo sucesso do Show dos Rolling Stones na praia de Copacabana, o ano também foi excelente tanto para o Copacabana Palace, como para o grupo do Orient-Express como um todo.  No caso do Copacabana Palace, a conclusão da reforma dos salões do antigo casino, e a sua transformação no espaço mais elegante da cidade para a realização de eventos sociais e corporativos fez que o lucro operacional do hotel atingisse um novo recorde de US$13,5M, um aumento de 30% sobre o ano anterior, enquanto o lucro operacional do grupo Orient-Express também atingisse um novo recorde de US$138M.  O ano de 2007 também começou de uma forma promissora e tudo fazia crer que teríamos um ano melhor ainda pela frente, mas todo este cenário otimista foi repentinamente abalado por um serie de acontecimentos que viriam, em relativamente pouco tempo, a transformar o grupo Orient-Express para sempre.  O primeiro deles foi o anuncio que o fundador e Chairman do grupo, James Sherwood, deixaria seu cargo de Chairman em meados de 2007, e apesar que continuaria a fazer parte do Board, não teria a partir de então qualquer responsabilidade executiva na condução dos negócios da empresa.  Se isto não bastasse, logo depois, foi anunciado que Simon Sherwood, o CEO da companhia desde 1994, também estava demissionário, e que o Board havia iniciado o processo de recrutar um substituto.  É impossível sobre-estimar a importancia que James Sherwood representava para o grupo Orient-Express.  Para todos os fins e efeitos, o James Sherwood era o próprio Orient-Express.  Não apenas ele havia iniciada a criação da companhia ao adquirir o Hotel Cipriani de Veneza em 1976, e re-inventado o trem Orient-Express em 1982, como havia estado pessoalmente envolvido na aquisição de todos os 50 propriedades, localizados em 25 países, que em 2006 faziam parte do grupo Orient-Express.  Além disso, era a sua visão de que representava o luxo e o refinamento em hotelaria que formava a própria cultura corporativa do grupo.  Todos os projetos de reforma em todos os hotéis eram liderados por ele, que não só escolhia pessoalmente quem seriam os arquitetos e os decoradores de interiores, como era ele quem aprovava e acompanhava todas os projetos.  Embora ele não tinha condições de se envolver diretamente nos assuntos operacionais dos hotéis, era inconcebível a nomeação de qualquer gerente-geral de qualquer unidade do grupo, sem primeiro contar com a sua imprescindível aprovação.  Como eu às vezes brincava com os executivos do Copacabana Palace,  “Isto aqui se chama Sherwood Futebol Clube.  Manda quem pode, e obedeça quem tem juízo.” 
Para compreender o que se passou com Sherwood, é preciso entender as mudanças que foram impostas ao mundo corporativo americano após o escândalo provocado pela falência da empresa americana Enron em 2001, que resultou em nova legislação na forma da lei Sarbanes-Oxley.  Esta lei, instituída em 2002, mudou radicalmente a administração das empresas públicas americanas, e aquelas, como Orient-Express, que tinham suas ações negociadas na bolsa de valores de Nova York.  Entre as diversas mudanças introduzidas pela nova lei, incluía-se uma maior autoridade atribuída aos chamados diretores “independentes”, aqueles nomeados pelos acionistas e sem vínculos com a administração.  Até o advento da lei Sarbanes-Oxley, o Sherwood controlava totalmente o Board, já que todos os seus membros foram nomeados por ele, e isto fazia que o Sherwood tinha um poder enorme.  Aqui no Brasil, por exemplo, quase todos acreditavam que o Sherwood era o “dono” do Orient-Express – e por extensão, do próprio Copacabana Palace - ou, pelo menos, seu maior acionista, o que não era o caso.  A perda do controle sobre o Board, provocado pelo menos em parte pela nova lei, foi o motivo do ocaso do James Sherwood na empresa que ele mesmo havia fundado, e conduzido com mão-de-ferro durante mais de 30 anos. Teve um outro fato que possivelmente influenciou a decisão do Board,  que foi o pedido de concordata em 2006 da empresa mãe da Orient-Express, a Sea Containers.  O Sherwood havia deixado o cargo de Chairman da Sea Containers em 2005, quando a empresa já enfrentava problemas financeiros, e no final de 2005 havia vendido todas as suas ações na empresa, mas a concordata e subsequente liquidação da empresa que Sherwood havia fundada em 1965, e com a qual fez sua fortuna, provavelmente pesou na decisão de afastá-lo da direção de Orient-Express.
A iminente saída de James Sherwood como Chairman e de Simon Sherwood como CEO fez que o Orient-Express operasse num vacuô  de poder ao longo do primeiro semestre de 2007.  Para complicar mais ainda a situação vários dos vice-presidentes da companhia se apresentaram como candidatos ao cargo de CEO, criando uma ferrenha disputa interna.  Na medida que suas candidaturas iam sendo descartadas, pelo menos três desses vice-presidentes também apresentaram suas renuncias, entre eles o CFO, o Paul White.  Enquanto isto acontecia o Board, auxiliado pelos “headhunters” contratados continuava na busca do novo CEO, mas sem sucesso.  Aparentemente, o primeiro candidato escolhido após o longo processo de seleção, um cidadão americano, desistiu na ultima hora após sua esposa se surpreender com os altos preços de aluguel de apartamentos em Londres.  Quando o segundo candidato escolhido também desistiu na ultima hora, o Board, já em pânico,  convocou o CFO Paul White - há poucos dias de deixar a companhia - para oferecê-lo o cargo de CEO.
Para o Copacabana Palace, a nomeação do Paul White como CEO da Orient-Express foi a melhor notícia que poderíamos receber.  Antes de ser CFO da companhia, Paul havia sido vice-presidente de operações para o hemisfério sul, e conhecia o Brasil e o Copacabana Palace, e a sua equipe, como poucos.  Além disso, como veterano na companhia, havia conhecido o hotel na época das vacas magras e portanto conhecia o trajeto que o hotel havia percorrido até se tornar um dos mais lucrativos do grupo Orient-Express.  Quinze dias antes de sua nomeação como CEO, ele havia visitado o Copacabana Palace no que se imaginava seria a sua ultima viagem ao Brasil antes de deixar a companhia.  Havíamos realizado uma simpática e emotiva festa de despedida, com a presença de toda a equipe gerencial do hotel, e o discurso de agradecimento e despedida do Paul deixou claro quanto ele apreciava o Brasil, e o Copacabana Palace.  Tê-lo agora como CEO da Orient-Express era um grande alívio, pois sabiamos que teríamos seu apoio para as reformas que ainda pretendíamos realizar.

Apesar das mudanças na cúpula de Orient-Express e da ausência tanto de um Chairman como de um CEO efetivos durante metade do ano, o ano de 2007 acabou sendo muito positivo para o Orient-Express, com seu lucro operacional atingindo um novo patamar de US$154M.  As notícias da saída do Sherwood haviam encorajada outros grupos hoteleiras a contemplar a aquisição do grupo Orient-Express, entre eles o grupo Tata, o conglomerado indiano dono de Taj Hotels, e que contava entre seus ativos as marcas de Land Rover e Jaguar, fora seus muitos investimentos na indústria siderugica.  O grupo Tata chegou a anunciar que havia comprado 10% das ações de Orient-Express como expressão de seu interesse em desenvolver uma associação com Orient-Express.  As ações de Orient-Express dispararam na bolsa de Nova York com  a cotação chegando a US$65,36, o que capitalizava a companhia em quase 3 bilhões de dólares.  Apesar do interesse demonstrado pelo grupo Tata, e de outros grupos, o Board de Orient-Express preferiu afastar qualquer tentativa de associação, preferindo manter o grupo independente.  Mesmo assim, o Orient-Express entrou em 2008 com suas ações ainda em alta, cotadas a US$58,56, o que valorizava a companhia em US$2,6 bilhões, e bastante otimismo quanto ao futuro.  Menos de um ano depois, entretanto, as ações havia caído para US$3,80, e a companhia não valia mais que US$200 milhões.  É que a crise do sub-prime americana, com a falência do Banco Lehman Brothers, e a subsequente crise financeira mundial, por muito pouco não levou Orient-Expree à falência, como contarei a seguir.

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