Se o ano de 2006 foi marcado pelo sucesso do Show dos Rolling Stones
na praia de Copacabana, o ano também foi excelente tanto para o Copacabana
Palace, como para o grupo do Orient-Express como um todo. No caso do Copacabana Palace, a conclusão da
reforma dos salões do antigo casino, e a sua transformação no espaço mais
elegante da cidade para a realização de eventos sociais e corporativos fez que
o lucro operacional do hotel atingisse um novo recorde de US$13,5M, um aumento
de 30% sobre o ano anterior, enquanto o lucro operacional do grupo
Orient-Express também atingisse um novo recorde de US$138M. O ano de 2007 também começou de uma forma
promissora e tudo fazia crer que teríamos um ano melhor ainda pela frente, mas
todo este cenário otimista foi repentinamente abalado por um serie de
acontecimentos que viriam, em relativamente pouco tempo, a transformar o grupo
Orient-Express para sempre. O primeiro
deles foi o anuncio que o fundador e Chairman do grupo, James Sherwood,
deixaria seu cargo de Chairman em meados de 2007, e apesar que continuaria a
fazer parte do Board, não teria a partir de então qualquer responsabilidade
executiva na condução dos negócios da empresa.
Se isto não bastasse, logo depois, foi anunciado que Simon Sherwood, o
CEO da companhia desde 1994, também estava demissionário, e que o Board havia
iniciado o processo de recrutar um substituto.
É impossível sobre-estimar a importancia que James Sherwood representava
para o grupo Orient-Express. Para todos
os fins e efeitos, o James Sherwood era o próprio Orient-Express. Não apenas ele havia iniciada a criação da
companhia ao adquirir o Hotel Cipriani de Veneza em 1976, e re-inventado o trem
Orient-Express em 1982, como havia estado pessoalmente envolvido na aquisição
de todos os 50 propriedades, localizados em 25 países, que em 2006 faziam parte
do grupo Orient-Express. Além disso, era
a sua visão de que representava o luxo e o refinamento em hotelaria que formava
a própria cultura corporativa do grupo. Todos
os projetos de reforma em todos os hotéis eram liderados por ele, que não só
escolhia pessoalmente quem seriam os arquitetos e os decoradores de interiores,
como era ele quem aprovava e acompanhava todas os projetos. Embora ele não tinha condições de se envolver
diretamente nos assuntos operacionais dos hotéis, era inconcebível a nomeação
de qualquer gerente-geral de qualquer unidade do grupo, sem primeiro contar com
a sua imprescindível aprovação. Como eu
às vezes brincava com os executivos do Copacabana Palace, “Isto aqui se chama Sherwood Futebol
Clube. Manda quem pode, e obedeça quem
tem juízo.”
Para compreender o que se passou com Sherwood, é preciso entender as
mudanças que foram impostas ao mundo corporativo americano após o escândalo provocado
pela falência da empresa americana Enron em 2001, que resultou em nova legislação
na forma da lei Sarbanes-Oxley. Esta
lei, instituída em 2002, mudou radicalmente a administração das empresas
públicas americanas, e aquelas, como Orient-Express, que tinham suas ações
negociadas na bolsa de valores de Nova York.
Entre as diversas mudanças introduzidas pela nova lei, incluía-se uma
maior autoridade atribuída aos chamados diretores “independentes”, aqueles
nomeados pelos acionistas e sem vínculos com a administração. Até o advento da lei Sarbanes-Oxley, o
Sherwood controlava totalmente o Board, já que todos os seus membros foram
nomeados por ele, e isto fazia que o Sherwood tinha um poder enorme. Aqui no Brasil, por exemplo, quase todos
acreditavam que o Sherwood era o “dono” do Orient-Express – e por extensão, do
próprio Copacabana Palace - ou, pelo menos, seu maior acionista, o que não era
o caso. A perda do controle sobre o
Board, provocado pelo menos em parte pela nova lei, foi o motivo do ocaso do
James Sherwood na empresa que ele mesmo havia fundado, e conduzido com mão-de-ferro
durante mais de 30 anos. Teve um outro fato que possivelmente influenciou a decisão do Board, que foi o pedido de concordata em 2006 da empresa mãe da Orient-Express, a Sea Containers. O Sherwood havia deixado o cargo de Chairman
da Sea Containers em 2005, quando a empresa já enfrentava problemas
financeiros, e no final de 2005 havia vendido todas as suas ações na empresa,
mas a concordata e subsequente liquidação da empresa que Sherwood havia fundada
em 1965, e com a qual fez sua fortuna, provavelmente pesou na decisão de
afastá-lo da direção de Orient-Express.
A iminente saída de James Sherwood como Chairman e de Simon Sherwood
como CEO fez que o Orient-Express operasse num vacuô de poder ao longo do primeiro semestre de
2007. Para complicar mais ainda a
situação vários dos vice-presidentes da companhia se apresentaram como
candidatos ao cargo de CEO, criando uma ferrenha disputa interna. Na medida que suas candidaturas iam sendo
descartadas, pelo menos três desses vice-presidentes também apresentaram suas
renuncias, entre eles o CFO, o Paul White.
Enquanto isto acontecia o Board, auxiliado pelos “headhunters”
contratados continuava na busca do novo CEO, mas sem sucesso. Aparentemente, o primeiro candidato escolhido
após o longo processo de seleção, um cidadão americano, desistiu na ultima hora
após sua esposa se surpreender com os altos preços de aluguel de apartamentos
em Londres. Quando o segundo candidato escolhido
também desistiu na ultima hora, o Board, já em pânico, convocou o CFO Paul White - há poucos dias de
deixar a companhia - para oferecê-lo o cargo de CEO.
Para o Copacabana Palace, a nomeação do Paul White como CEO da
Orient-Express foi a melhor notícia que poderíamos receber. Antes de ser CFO da companhia, Paul havia
sido vice-presidente de operações para o hemisfério sul, e conhecia o Brasil e
o Copacabana Palace, e a sua equipe, como poucos. Além disso, como veterano na companhia, havia
conhecido o hotel na época das vacas magras e portanto conhecia o trajeto que o
hotel havia percorrido até se tornar um dos mais lucrativos do grupo
Orient-Express. Quinze dias antes de sua
nomeação como CEO, ele havia visitado o Copacabana Palace no que se imaginava seria
a sua ultima viagem ao Brasil antes de deixar a companhia. Havíamos realizado uma simpática e emotiva
festa de despedida, com a presença de toda a equipe gerencial do hotel, e o
discurso de agradecimento e despedida do Paul deixou claro quanto ele apreciava
o Brasil, e o Copacabana Palace. Tê-lo agora
como CEO da Orient-Express era um grande alívio, pois sabiamos que teríamos seu
apoio para as reformas que ainda pretendíamos realizar.
Apesar das mudanças na cúpula de Orient-Express e da ausência tanto de
um Chairman como de um CEO efetivos durante metade do ano, o ano de 2007 acabou
sendo muito positivo para o Orient-Express, com seu lucro operacional atingindo
um novo patamar de US$154M. As notícias
da saída do Sherwood haviam encorajada outros grupos hoteleiras a contemplar a
aquisição do grupo Orient-Express, entre eles o grupo Tata, o conglomerado
indiano dono de Taj Hotels, e que contava entre seus ativos as marcas de Land
Rover e Jaguar, fora seus muitos investimentos na indústria siderugica. O grupo Tata chegou a anunciar que havia
comprado 10% das ações de Orient-Express como expressão de seu interesse em
desenvolver uma associação com Orient-Express.
As ações de Orient-Express dispararam na bolsa de Nova York com a cotação chegando a US$65,36, o que
capitalizava a companhia em quase 3 bilhões de dólares. Apesar do interesse demonstrado pelo grupo
Tata, e de outros grupos, o Board de Orient-Express preferiu afastar qualquer
tentativa de associação, preferindo manter o grupo independente. Mesmo assim, o Orient-Express entrou em 2008
com suas ações ainda em alta, cotadas a US$58,56, o que valorizava a companhia
em US$2,6 bilhões, e bastante otimismo quanto ao futuro. Menos de um ano depois, entretanto, as ações
havia caído para US$3,80, e a companhia não valia mais que US$200 milhões. É que a crise do sub-prime americana, com a
falência do Banco Lehman Brothers, e a subsequente crise financeira mundial, por
muito pouco não levou Orient-Expree à falência, como contarei a seguir.
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