Um dos desafios que tivemos
ao assumir a direcao do Copacabana Palace foi de encontrar um novo local para o
restaurante principal do hotel, o lendário “Bife de Ouro”. Embora o restaurante estava localizado no andar terreo do prédio
principal, não havia vista para a praia.
Antigamente havia uma entrada diretamente da Avenida Atlântica, mas apos
uma reforma realizada pela família Guinle em 1986, esta entrada tinha sido fechada. O James Sherwood insistia que o restaurante tivesse uma vista para a
praia de Copacabana, e ele inicialmente determinou que o restaurante ocupasse
parte da varanda frontal do hotel. Quando
este plano mostrou ser inviável devido a recusa do Patrimônio Histórico em
permitir qualquer construcao permanente nas varandas, ele passou a contemplar
utilizar metade do Salão Nobre para o restaurante, e ainda colocar mesas na
varanda quando o tempo permitia.
Argumentamos que o Salão Nobre era um espaço muito importante para os
muitos eventos realizados no hotel, e a transformacao de metade dele num
restaurante permanente iria prejudicar estes eventos, alem de dificultar o
acesso ao Golden Room, outro local de grande importância para a realizacao de
eventos. Não obstante estes argumentos,
o Sherwood insistia no seu plano e encomendou um projeto para a instalacao do
restaurante do arquiteto e decorador francês, Gerard Gallet. Alguns meses mais tarde, e com o projeto de
Gallet para o novo restaurante já
finalizado, tive mais uma oportunidade para abordar a inconveniencia do local
escolhido, durante um almoço na Pérgula.
O Sherwood ouviu meus argumentos, sem nada comentar, e quando eu
terminei de falar ele simplesmente apontou
para o outro lado da piscina, onde ficava
o Salão Verde, que era ate então a sala de estar do prédio do Anexo, e
disse, “Entao faremos o restaurante naquele salão. Pelo menos terá uma vista bonita da
piscina”. E assim foi feito. O projeto do Salão Nobre foi abandonado e o
novo restaurante do Copa começou a nascer.
O projeto do novo restaurante foi mais uma vez entregue a Gerard Gallet,
que teve de imediato uma ideia brilhante, que foi de levantar o piso do local em aproximadamente 60 centímetros e
com isso ganhar uma vista privilegiada da área da piscina. Quem acessa hoje o restaurante mal percebe
que há três degraus logo na sua entrada, mas são exatamente esses três degraus
que fazem toda a diferença. Quando
Gallet projetou o restaurante não se sabia qual seria o estilo culinária a ser
adotada pelo novo restaurante. Em principio,
seria apenas o novo local para o “Bife de Ouro”. O “Bife de Ouro”, assim batizado pela magnata
das comunicacoes e todo-poderoso, Assis
Chateubriand, numa alusão aos altos preços cobrados, havia sido um dos
principais restaurantes da cidade nas décadas de ’40, ’50, e ’60, frequentado
assiduamente tanto pela sociedade carioca como pelos políticos e diplomatas
estrangeiros numa época em que Rio de Janeiro ainda era o capital da
Republica. A partir da década de ’70 o
restaurante entrou num período de declínio e este declínio se acentuava ano a
ano. Em 1986, os Guinles haviam feita uma boa e bonita reforma no restaurante,
e relançaram o “Bife de Ouro” em grande estilo, incluindo fornecimento
exclusivo de carnes do famoso açougue
Wessel de São Paulo. Esta iniciativa,
entretanto, teve apenas um sucesso limitado, e em 1993, enquanto o novo
restaurante tomava forma, o “Bife de Ouro” raramente vendia mais que 25
couverts por dia. Em funcao disso,
resolvemos “aposentar” o Bife de Ouro e partir para algo completamente
novo. Queríamos algo clássico, de acordo
com o estilo do hotel. Chegamos a pensar
numa culinária francesa, mas logo desistimos pelo razão de já existirem vários
ótimos restaurantes franceses na cidade.
De boa cozinha italiana, entretanto, haviam poucas opcoes, e como o “flagship” do grupo
Orient-Express e o Hotel Cipriani de Veneza, logo escolhemos fazer um
restaurante com culinária italiana. Para
fazer um restaurante verdadeiramente italiana, eu sabia que teria que contar
com o apoio dos nossos hotéis na Itália, e no inicio de novembro de 1993,
faltando menos que quatro meses para o novo restaurante ficar pronto, pus o “business plan” na bagagem e fui para Veneza solicitar apoio
do grande hoteleiro e “gentleman” italiano, Natale Rusconi, Diretor Geral do
Hotel Cipriani. Por sorte, o Rusconi
adorou o plano e se dispôs a ajudar. Designou três pessoas de sua equipe – O
Diretor de Alimentos e Bebidas, o sub-Chefe de Cozinha, e o Maitre Executivo –
para passaram três meses no Brasil ajudando a montar o restaurante. O fato do Hotel Cipriani fechar no inverno
europeu facilitou este apoio. Faltaria
ainda um Chef permanente para o restaurante, e como não havia ninguém do Hotel
Cipriani disponível para assumir este compromisso, Rusconi ficou de recrutar um
Chef, treinar-lo, e depois mandar-lo para Brasil. No inicio de dezembro a equipe italiana
chegou no Brasil e começaram logo a trabalhar.
Fizeram algumas alteracoes na cozinha e pesquisaram todos os mercados da
cidade para escolher os fornecedores e começaram a montar o cardápio do
restaurante. Em janeiro de 2004,
faltando menos de dois meses para ficar pronto, o restaurante ainda não tinha
nome. Tínhamos pensado inicialmente em
chamar-lo “Cipriani”, mas nossos advogados haviam nos avisado que não
poderíamos usar este nome em funcao de um longo litigio entre a família
Cipriani e o Orient-Express sobre o uso do nome. Pensamos então no nome de “Portofino”, local
de um outro hotel da companhia na Itália, mas descobrimos que havia uma pousada
em Ubatuba com o registro desse nome, e uma tentativa de um acordo com eles
para o uso do nome foi improdutiva.
Preparamos então uma lista com uns dez nomes italianos, a maioria com
alguma ligacao a Veneza, e como faltava poucos dias para Sherwood chegar para
sua visita anual, resolvemos apresentar a lista para ele e deixar ele escolher
o nome. Quando Sherwood olhou a lista,
balançou a cabeça negativamente, e disse, “Vamos chamar o restaurante de
Harry’s Bar” Ninguém achou uma boa
ideia, pois para quem não frequenta Veneza, e para quem não ler Ernest
Hemingway, a associacao do “Harry’s Bar” com um restaurante italiano não e
simples. Por sorte (?), o nome do
Harry’s Bar também estava registrado em nome de uma outra empresa, e quando
isto foi informado para Sherwood, ele disse, “Entao vamos chamar o restaurante de
Cipriani”. “Mas e isso que nos queríamos
desde o inicio, mas os advogados nos disserem que não podemos utilizar este
nome”, eu respondi. “Podemos sim”,
retrucou Sherwood, “fiz um acordo com a família Cipriani e nos podemos utilizar
este nome desde que seja em propriedades do Orient-Express” E assim, o nome Cipriani foi escolhido como
nome do novo restaurante. Quinze dias
depois da inauguracao do restaurante, recebi um telefonema do nosso advogado de
Nova York, que me disse, “Voces não podem usar o nome de Cipriani para o
restaurante, a não ser que seja precedido pelo nome Hotel. Terão que reimprimir todos os cardápios e
notas fiscais, pois o nome terá que ser
Restaurante Hotel Cipriani”. E assim
continua ate hoje. Na pratica, todos
conhecem o restaurante simplesmente pelo nome Cipriani, mas quem prestar
atencao ao cardápio, ou a nota fiscal, perceberão que estão frequentando o
“Restauranate Hotel Cipriani”!
Alem da escolha do nome,
houve um outro drama antes da abertura do restaurante. Faltando vinte dias para a abertura, o Natale
Rusconi me telefonou da Itália para dizer que o novo Chefe de Cozinha, que ele
havia recrutado e treinado já estava pronto para vir ao Brasil. Mandamos uma passagem aérea da Varig, e no
dia acertado mandamos buscar o Chef no aeroporto. Para surpresa geral, o Chef não apareceu.
Pensávamos que devia ter havido algum desencontro no aeroporto e logo o Chef
apareceria, mas nada. Ligamos para
Natale Rusconi na Itália, e ele confirmou que o Chef havia saído de Veneza há
dois dias com a passagem para o Brasil no bolso. Onde estava o Chef? Três dias depois ele reapareceu em
Veneza. Contou que pegou o avião da
Varig para Brasil, conforme combinado, e ficou sentado ao lado de dois outros
italianos que vinham passar ferias no Brasil.
Durante o voo, este dois turistas teriam abusado do consumo de bebidas
alcoólicas e em determinado momento passaram a se tornarem inconvenientes,
inclusive dirigindo gracejos para as aeromoças.
Quando o avião posou no Rio de Janeiro,
subiu a Policia Federal a bordo e prendeu os três, apesar que o Chef jurou que ele estava
inocente, e nada tinha a ver com o comportamento dos dois turistas. De qualquer maneira, as explicacoes do Chef
não convencerem a Policia Federal, e o fato e que os três foram mantidos presos
durante o dia e a noite despachados de volta para Itália no mesmo avião que os
trouxe. Faltava quinze dias para o
restaurante abrir, e não tínhamos um Chef, e não havia tempo suficiente para
recrutar e treinar outro. Telefonei
para Rusconi e lhe disse, “ Natale, eu já tenho a solucao. O seu sub-Chef, Francesco Carli, já esta aqui
há três meses e esta adorando o Brasil, e ele aceita ficar. Ele e um ótimo Chef e com certeza sera um
grande sucesso” “Mas eu não posso abrir
mão de Carli” me falou Rusconi, “ele e importante demais aqui no Hotel
Cipriani” “Mas Natale” eu argumentei,
“falta apenas quinze dias para o restaurante abrir, que outra opcao nos
temos?” A contra-gosto, o Natale
concordou que de fato não tínhamos outra opcao e pesarosamente, abriu mão do
passe do Francesco Carli. Passado quase
vinte anos, Francesco Carli continua trabalhando no Copacabana Palace. Depois de ficar 15 anos como o Chef do
Restaurante Hotel Cipriani, durante o qual o restaurante recebeu todos os
prêmios possíveis pela excelência de sua cozinha, Francesco Carli e hoje o Chef
Executivo do hotel, responsável pela organizacao e supervisão de quase uma
centena de cozinheiros trabalhando nas três cozinhas do hotel. Quanto ao Restaurante Hotel Cipriani, foi um
sucesso desde a sua abertura em marco de 1994, e ate hoje 75% dos seus
frequentadores são moradores da cidade e não hospedes do hotel. Desde a abertura, o local já passou por duas
reformas, a ultimas das quais em 2011, que acrescentou um “Chef’s Table”, que possibilita
que os clientes jantem enquanto observam o movimento normal da cozinha. Hoje a decoracao do restaurante reflete o estilo
veneziano de sua cozinha, hoje sobre o comando de outro talentoso Chef italiano,
Nicola Finnamore. Para os saudosistas do
antigo “Bife de Ouro”, uma revelacao. As
poltronas do Cipriani ainda são as mesmas do antigo Bife de Ouro, obviamente, re-estofadas.
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