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sábado, 9 de abril de 2011

Um Final de Semana Movimentado

         O Hotel Castro Alves tinham uma clientela composta predominantemente de brasileiros, mas haviam também muitos sul-americanos, principalmente argentinos.  Esses eram geralmente os hospedes mais complicados, e davam muito trabalho, principalmente os mais jovens.  No começo da década de `70 não havia cartões de credito e os pagamentos das contas dos hospedes eram pagas em espécie pelo próprio hospede, ou então por um "voucher" emitido por uma agência de viagens credenciada pelo grupo Othon, para posterior cobrança junto a agência.  Ocorria, entretanto, que muitos  argentinos  queriam pagar as suas contas com “vouchers” de agências que não eram credenciados por Hotéis Othon, e portanto não podiam ser aceitos e as contas tinham que ser pagas em espécie.  Ai os argentinos alegavam que não tinham recursos disponíveis para pagar as contas, e nestes casos o hotel confiscava a bagagem dos argentinos, como garantia de pagamento das contas.  Era uma luta constante, e a disputa frequentemente ia parar  na delegacia policial da Rua Hilário Gouveia.  Felizmente, o Delegado não simpatizava com os argentinos, e as disputas eram sempre  resolvidas a nossa favor.  Outro motivo frequente que motivava uma ida a Delegacia era a recusa por parte do hospede a abrir sua mala para verificar se estivesse levando alguma toalha, ou outro bem do hotel na sua bagagem. E que as arrumadeiras eram responsáveis pelo estoque de roupas existentes nos apartamentos, e se faltasse algum item no inventario mensal, o valor era descontado dos seus salários.  Consequentemente, assim que o hospede deixava o apartamento elas corriam para checar tudo e caso constatassem alguma falta, comunicava a Recepção e o valor do item faltante era lançado na conta do hospede, como Diversos.  Normalmente, ao perceber o lançamento, os hospedes pagavam sem discutir.  Outros abriam as  malas, e devolviam o artigo que levavam como lembrança, e, outros – geralmente jovens argentinos – recusavam a pagar e recusavam a abrir as malas para a necessária conferencia.  Eram esses o casos que iam parar na Delegacia.  Novamente, os casos eram sempre resolvidos a favor do hotel.
         Outro caso envolvendo a Delegacia, mas desta vez numa situação menos favorável, ocorreu em Julho de 1971.  Nesta época, o mês de Julho era um dos melhores meses do ano para a hotelaria carioca, com os hotéis lotando do começo ao fim do mês.  Neste dia, uma sexta-feira, havia mais uma razão para lotar os hotéis, e que no Domingo, no Maracana, o Pele faria sua despedida da selecao brasileira num jogo amistoso contra Yugoslavia.  A cidade estava super-lotado de turistas, e não havia um hotel na cidade que não tivesse 100% de ocupação.  Neste tempo,  a grande maioria das reservas nos hotéis eram feitas "sem garantias", o que significava que a reserva era valida somente ate as 18 horas do dia da chegada, e se o hospede não havia chegado ate esta hora, a reserva era automaticamente cancelada.  A única forma de garantir uma reserva para uma chegada após 18 horas era fazendo um deposito antecipado do valor da diária, ou então ter uma carta de garantia de pagamento de uma empresa, ou então um "voucher" de uma agência de viagens credenciada.  Por causa dos cancelamentos e "no-shows", era  necessário trabalhar com uma certa taxa de“overbooking” para lotar os hotéis, e  nos dias críticos os hotéis aguardavam ansiosamente chegar as 18 horas para cancelar as reservas "não garantidas".   Consequentemente, neste dia, quando uma família Paulista de dez pessoas, incluindo pai, mãe, filhos, sogra, irmão, cunhada, e baba desembarcaram de três carros em frente ao hotel as 22 horas, para ocupar os três apartamentos que haviam reservados no hotel, o recepcionista lamentou muito, mas informou-os que como se tratava de uma reserva "sem garantia", a reserva havia sida cancelada as 18 horas e não havia mais apartamentos disponíveis.  Foi ai que o pai, um advogado forte com quase dois metros de altura produziu um recibo de Hotéis Othon, demonstrado que havia pago naquele mesmo dia as 14 horas, diretamente no caixa do Othon Palace de São Paulo o deposito referente ao valor das três diárias.   Infelizmente, a funcionaria do Othon Palace que recebeu o deposito não deu conta que a reserva era para o próprio dia, e portanto não avisou o hotel por telefone do deposito, simplesmente colocou a copia do recibo no malote, que só chegaria no Rio na segunda-feira.  Enfim, o problema era enorme, e como poderia solucionar-lo pois não havia uma vaga sequer no Castro Alves, nem em qualquer outra hotel da cidade?  Neste dia eu havia ido ao teatro, e só voltei para casa no hotel as 23.30hrs.  Assim, que entrei no hotel, percebi que algo estava errado.  Havia um mensageiro atendendo no lugar do recepcionista, e o  recepcionista noturno estava no escritório cercado por dez pessoas, e mais o sub-delegado da 12 DP, que havia sido convocado pelo advogado, e os dois estavam redigindo um texto legal onde o hotel assumia totalmente a responsabilidade pelo ocorrido, comprometendo-se a pagar indenizacoes vultosas e outras penalidades aos hospedes.  O olhar do recepcionista ao me avistar foi o olhar de alguém que havia sido anistisiado da pena de morte, no ultimo momento.  “Este e o gerente” ele exclamou, apontando na minha direcao, para em seguida retornar a sua posição atrás do balcão da recepção.  E foi assim que tomei conhecimento de todo o ocorrido.  Embora o problema não havia sido causado pelo pessoal do Castro Alves, sabíamos que a falha foi de Hotéis Othon, e portanto cabiam a nos resolver o problema, encontrando accomodacoes para todos.  Comecei telefonando para meus colegas gerentes nos demais hotéis da cadeia.  Explicava a situação e solicitava ajuda, qualquer tipo de apartamento serviria.  Infelizmente nenhum deles poderiam ajudar.  Todos estavam completamente lotados, e vários também enfrentavam problemas de “overbooking”.  Haviam hospedes ate dormindo na rouparia de um dos hotéis.  Passei a ligar para outros hotéis de Copacabana e Flamengo, contando o drama, mas sem sucesso.  Finalmente, decidi mudar de estratégia.  Comecei ligando para os hotéis do centro da cidade, com o seguinte discurso “Olha, preciso de três apartamentos.  Não me importo qual e o preço, e não quero recibo.  Vou ai pagar a reserva em dinheiro.  E para uma noite apenas”  Com essa estratégia, eu consegui os três apartamentos, dois no Hotel Serrador, e um no Hotel Presidente, na Praça Tiradentes.  Quando expliquei aos hospedes onde eram os hotéis que iriam ficar, o advogado me olhou desconfiado, e disse “ Na Praça Tiradentes, que hotel e esse????  Se você colocar minha família num hotel de viracao, eu te arrebento!!!”  “O Hotel Presidente não e um hotel de viracao”, respondi, “E um hotel de família, e eu vou acompanhar-los ate la e vocês vão comprovar o que eu estou falando” E assim foi feito.  Levei os hospedes ate os hotéis, paguei as contas, e voltei ao hotel.  Eram quase três horas da manha. No dia seguinte todos retornaram ao Castro Alves e ficaram hospedados ate segunda-feira. Quando foram embora, o advogado agradeceu muito as atencoes, e saírem felizes da vida.  No Domingo, fui ao Maracana, e assisti Brasil derrotar Yugoslavia pelo placar de 1 x 0.  Na metade do segundo tempo, Pele foi substituído, e deu uma volta olímpica no estádio, debaixo dos aplausos da multidão, antes de sair de campo chorando, e pedindo para cuidar das crianças do Brasil.  Para mim, foi um final de semana de muitas emocoes, para entrar na Historia.

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