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terça-feira, 1 de março de 2011

21/06/1968 - A Sexta-feira Sangrenta

        Uma parte do  trabalho dos auditores  envolvia a simples conferencia de documentos que chegavava dos hotéis, e o trabalho era realizado dentro do escritório central, na rua Teófilo Otoni, no centro do Rio, sem necessidade de deslocamentos para os hotéis em Copacabana.  Quando chegava a hora do almoço, geralmente almocavamos numa cantina localizada no próprio prédio onde a comida era ruim, porem barato, ou almocavamos em algum lanchonette do centro.  Fosse qualquer das opcoes escolhidas, o almoco era sempre rápido, e isso nos deixava com tempo de ficar passeando pelo centro, já que o intervalo de almoço era de 90 minutos.  A gente frequentemente se deslocava da Candelária ate o Edifício Central, onde havia uma galeria de lojas, e a gente ficava paquerando as  balconistas que la trabalhava.  Nesta altura estamos no ano de 1968 – para muitos “o ano que nunca acabou”, e frequentemente nossos passeios eram interrompidos pelo surgimento de alguma manifestação estudantil contra a ditadura.  De repente, no meio da multidão, surgiria um grupo de estudantes no meio da rua, bloqueavam o transito, alguém subiria num palanque improvisado, e iniciava um discurso inflamado contra o governo, os militares, e a ditadura.  A manifestação se desfazia tão rapidamente quando se iniciara, na medida que se aproximasse qualquer  pelotão da PM que circulavam constantemente pelo centro.  Parecia um jogo de “Gato e Rato”, com os estudantes levando vantagem, quase sempre.  Eu disse “quase” sempre, pois nos raros ocasiões que os PM metiam a mão em algum estudante, era com extrema violência.  O povo nas ruas estavam claramente a favor dos estudantes, mas não se envolviam nas manifestacoes.  Aos poucos, as manifestacoes foram se tornando mais frequentes e com maior numero de estudantes.  O clima no Centro passou a ser mais pesado na medida que a repressão as manifestacoes também aumentava.  E assim foi ate chegar no dia 21 de junho de 1968, uma sexta-feira, um dia que jamais esquecerei, e que entrou na história do Brasil como "A Sexta-feira Sangrenta".   O dia havia nascido como outro qualquer.  Chegou a hora do almoço, e sai para passear, junto com um colega do escritorio, para assistir as manifestacoes, que já haviam se tornado diários.  Em relação aos outros dias, notamos logo algo de diferente.  Primeiro, havia um efetivo enorme de policiais estacionados em torno da Candelária, e a Avenida Rio Branco, principal rua do Centro do Rio, estava fechado para o transito.  O clima estava pesado, e sentia-se no ar que algo estava para acontecer.  Mesmo assim iniciamos nosso passeio habitual em direcao a Edifício Central.  Não havíamos chegado muito longe quando surgia a primeira manifestação, um grupo de estudantes começaram a montar uma barricada na esquina da Rua Buenos Aires com Rio Branco.  Imediatamente houve a reacao dos policiais, vários caminhoes de PM`s descerem o Rio Branco, e saltando dos caminhoes os PM começaram a golpear os estudantes com seus cassetetes.  Todo mundo corria, inclusive nos, pois ate explicar que nos não eram estudantes, seria tarde demais.  Os PM`s lançavam também canisters de gás lacrimogenico, e logo o ar ficou impregnavel e usava-se lenços para cobrir o nariz e os olhos.  De repente todos os prédios do Centro fechava suas portas.  No tumulto, eu havia me perdido do meu colega, e tentava desesperadamente me refugiar em algum prédio.  Foi um esforço inútil, pois todos os prédios estavam apinhados de gente e não abriam as portas mas mais ninguém, principalmente para um jovem com cara de estudante.  Enquanto isso, a caca as estudantes na rua continuavam.  Varias vezes tive que fugir com um pelotão da PM no meu encalço.  Tentei voltar ao meu escritório na Rua Teofilo Otoni, atrás da Candelária, mas atravessar a Presidente Vargas era impossível, devida a grande concentração de PM`s que la havia. Finalmente, de tanto fugir da PM, e sem conseguir sair da rua, acabei me juntando ao maior grupo de estudantes que estavam ocupando quase uma quadra inteira na Rua Sete de Setembro.  Havia um pelotão de PM`s refugiados abaixo da marquise do antigo sede do Jornal do Brasil, na Av. Rio Branco.  Eu disse “refugiados”, pois eles estavam la, acuados, não tanto pela acao dos estudantes, embora estes arrancavam pedras de uma obra de rua e lançaram-as contra os PM`s, mas mais em função da chuva de objetos que eram jogados do alto dos prédios cada vez que um PM saísse de baixo da marquise.  Vi voar todo espécie de objetos, ate maquinas de escrever.  A  Av. Rio Branco, e todo o centro do Rio havia virado um verdadeiro campo de batalha.  Enquanto os PM`s ficavam acuados debaixo da marquise, os estudantes iam ganhando coragem, e começavam avançar contra os PM`s, lançando cada vez mais pedras.  Quando se aproximavam dos PM`s estes abaixaram, e tomaram posição de tiro, apontando seus fuzis sobre os estudantes.  Ai os estudantes recuavam novamente ate o Sete de Setembro, re-agrupavam, e começava tudo de novo.  Os de trás começavam com os gritos de “avanca, avança, avanca”, e os mais afoitos na frente avançavam de novo, sob aplauso do povo nas janelas do prédio, e lançavam um novo saraivada de pedras sobre os PM`s.  Assisti a três ou quatro desses avanços, com os estudantes se aproximando cada vez mais perto dos PM`s, quando, em vez de apenas ameaçar atirar, os PM`s atiraram de fato sobre os estudantes.  De novo, os estudantes recuaram na correria e depois de reagrupar, começaram de novo as vozes de trás “avanca, avança, avanca”, só que dessa vez acrescentaram as palavras “e bala de festim, e bala de festim”.  Mais uma vez os estudantes avançaram, atirando pedras, mais uma vez os PM tomaram posição de tiro, e atiraram, só que dessa vez não era bala de festim, era bala de verdade.  Um Senhor, de terno e gravata, ao meu lado foi baleado no braço, ouvi as balas zunindo sobre nossas cabeças, e estrasalhando os vidros dos prédios atrás de nos. Procurei me abrigar o melhor que pude e joguei-me no chao atrás de um banca de jornais.  Varios jovens estavam caidos no meio da rua.   Levantei-me assim que o barulho dos tiros cessarem, e junto com os estudantes recuei pelo Sete de Setembro.  Chegamos na Av. Graça Aranha, mas la havia outro pelotão do PM, vindo do prédio do Ministério da Educação.  Estávamos verdadeiramente encurralados.  Senti que eu tinha que sair de la de qualquer forma. Embora eu não tinha nada a ver com o movimento estudantil, eu tinha consciência que, com 22 anos de idade, mais parecia com um estudante de que “um trabalhador, com carteira assinada”.  E de qualquer forma, os métodos empregados pelo PM era de bater primeiro, e perguntar depois, portanto não havia a menor chance de um dialogo, tipo “nao tenho nada com isso, seu gauarda”.  Me separei da massa de estudantes e segui sozinho pela Graça Aranha, e na Rua México voltei em direcao ao Rio Branco, e virei a esquerda em direcao ao Aterro.  Ai meu coração quase parou.  Ali, em frente a Cinelandia, e ocupando toda a largura da Av.  Rio Branco, estava postado o temido cavalaria, pronto para avançar sobre os estudantes.  Senti que não adiantava recuar, e com o coração na boca continuei andando em direcao do Aterro, e sem olhar para os PM`s passei incólume entre os prédios e os cavalos.  Ninguém me importunou, e continuei andando.  Cheguei no Aterro do Flamengo, e em frente ao Monumento da Segunda Guerra Mundial, consegui parar um ónibus, e assim seguir para Copacabana.  Olhei para meu relógio, eram 4,15hrs da tarde.  Eu tinha passado três horas de verdadeiro terror, mas havia saído ileso, diferente de muitos estudantes, e outros manifestantes.

2 comentários:

  1. Excelente narrativa. Não obstante a importância do fato histórico, o que destaco aqui é a própria narrativa, que nos prende e nos excita como se estivéssemos lá, vivendo as manifestações. Nestes tempos de luta popular pela democracia em países como Líbia (agora), Egito, Tunísia e outros tantos que ainda hão de vir, é conveniente relembrar que a democracia brasileira hoje, ainda que finalmente conquistada com acordos políticos, foi um dia popularmente defendida com a vida.
    Minha esperança é que a ditadura da violência no Rio de Janeiro acabe e que outros, como eu, que se refugiam fora da Cidade Maravilhosa, possam voltar para casa. Beijim.

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  2. Eu tinha 13 anos nessa época, podia ser final do 8th grade ou first semester do 9th grade. Joguei meu primeiro torneio, Aberto de Petrópolis 1968, me deram um handicap 20 e ganhei meu primeiro Aberto na cat. 16 a 24 com 17 abaixo do par, joguei 78 gross no domingo, para mim um feito extraordinário pois havia começado a me interessar pelo golf em dez. do ano anterior quando tinha acabado de completar 13 anos, agradeço ao Mario González, meu professor e Mestre e ao meu pai que me incentivou e proporcionou as condições para ter conquistado esse primeiro título.
    Nilo

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