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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Historias de Uma Carreira Hoteleira -- Capitulo 11 -- Vivendo e Aprendendo.

         Poucos dias depois esse incidente,  recebi um telefonema do Escritório Central, me comunicando que o meu estagio havia terminado e que a partir daquela data eu iria fazer parte da equipe de Auditoria Operacional, e que  ficaria lotado no Escritório Central no centro da cidade.  A equipe de Auditoria Operacional era chefiado por um jovem dinâmico, e mais três assistentes, e o trabalho consistia em percorrer os sete hotéis da cadeia no Rio de Janeiro , fazendo checagens nos diversos processos de controle, conforme uma programação pré-determinada.  Era um trabalho bem interessante e variado, e a oportunidade de fazer os checagens nos sete hotéis nos obrigava a conhecer as peculiaridades de cada hotel, e cada operação.  Como eu tinha acabado de estagiar em todos as áreas do hotel, eu conhecia bem as rotinas, e estava bem preparado para executar as tarefas. Alguns dos serviços, como a checagem do balancete diário, eram rotineiros, mas outros eram eventuais e realizados de surpresa, e nem sempre as nossas presenças foram  apreciados pelos gerentes dos hotéis, e chefes de escritório.  Certo dia, fui designado para fazer uma checagem da contas a receber do Hotel Olinda.  Naquele tempo, todos os hotéis ficavam responsaveis pelas suas cobranças na praça do Rio de Janeiro, e somente cobranças nos demais praças ou do exterior eram centralizados no Escritório Central.  Era um serviço rotineiro, que eu já havia feito por várias vezes.  Neste dia, entretanto, eu não conseguia fechar as contas.  Por mais que cruzava as informacoes disponíveis, as contas não fechava.  De vez em quando o gerente do hotel passava na minha mesa e perguntava se estava tudo bem ou se eu queria alguma ajuda.  Finalmente, decidi ligar para meu Chefe, e disse-lhe “Olha, fiz todos os procedimentos corretamente, fiz todos os cruzamentos, mas não estou conseguindo fechar a conta, tem alguma coisa errada, mas não estou sabendo o que e.”  O Chefe me fez duas ou três perguntas, tipo, você já verificou isso, você já verificou aquilo, e quando respondi tudo no afirmativo, me disse “Nao sai dai, vou chegar ja”.  Ate então não havia me passada pela cabeça a ideia que algo serio estava errado, eu achava que o problema era comigo, que não estava sabendo concluir o trabalho, mas o tom de voz do Chefe já indicava que ele pensava diferente.  Em menos de 15 minutos ele chegou no hotel e foi logo revisando meu trabalho. Fez mais alguns checagens, e depois virou para mim, e disse “Tem alguma coisa seriamente errado. Vou chamar o Diretor da empresa.  Você esta liberado, volte para o escritório e ajude seus colegas no trabalho de revisão que eles estão fazendo”  No no fim do dia tomei conhecimento que o gerente do hotel havia sido demitido por justa causa.  Aparentemente, ele estava endividado e estava utilizando os frutos da cobrança para reforçar seu caixa  pessoal, ate receber seu salario no final do mês.  Não fui parabenizado pelo meu trabalho, e não senti nenhuma satisfação pelo destino do gerente, mas senti uma grande satisfação em saber que havia cumprido com meu dever.
         Boa parte do trabalho dos auditores operacionais era desenvolvido dentro dos hotéis, mas éramos “lotados” no escritório central, o que nos obrigava a bater o cartão de ponto as 8.30hrs no escritório central no centro da cidade, para depois ir ate os hotéis em Copacabana.  Para quem morava em Leblon, era um sacrifício ter que se deslocar ate o centro só para bater o cartão de ponto e depois voltar para Copacabana, mas não tinha jeito.  A disciplina era severa, e a regra tinha que ser cumprida.  Também os auditores não desfrutavam de qualquer mordomia, como ter direito a “consumo interno” nos hotéis que auditavam,e o almoço normalmente era um sanduiche comprado no “Gordon`s” (hoje McDonald`s) na rua Hilário Gouveia , que era mais ou menos meio caminho ente o Hotel Califórnia, onde normalmente comecavamos o trabalho, e o Leme Palace, onde terminavos antes de seguir para o Hotel Aeroporto na rua Beira-Mar, próxima ao aeroporto Santos Dumont,  para depois finalizar o dia de volta no escritório central.  Todo este trajeto era feito de terno e gravata, traje obrigatório na época.
      Um dos piores  serviços rotineiros feitos pelos auditores operacionais era a inutilizacao de roupa, que era feito a cada três ou quatro meses.  O trabalho consistia em passar nas rouparias dos hotéis e inspeccionar todas as pecas de roupa que havia sido descartadas por não mais atender ao padrão de qualidade exigida, ou por estava desgastada, manchada, ou rasgada.  O trabalho da auditoria consistia em decidir se o dano fora causada por mau uso por parte da lavandeira externa que atendia os hotéis, ou se era desgaste normal de uso.  Caso o dano era causado pela Lavandeira, a roupa era separada e entregue a Lavandeira, que indenizava o hotel pela perda.  A roupa descartada por desgaste era então baixada do estoque da lavandeira e uma requisição feita para repor a quantidade de roupa descartada.  As pecas descartadas tinham que ser totalmente inutilizadas para evitar que pudessem retornar ao estoque.  Isso implicava em ter que rasgar cada peca, e aplicar um carimbo com os dizeres INUTILIZADO em cada peca rasgada.  Era um trabalho bem chato, e cansativo, e, dependendo da localização  da rouparia, feito num ambiente de um calor sufocante.  Me lembro um dia executando este serviço no Hotel Aeroporto, em pleno mês de Fevereiro.  A rouparia no Hotel Aeroporto ficava no ultimo andar do hotel, debaixo de um telhado de amianto.  Era de um calor infernal.  Começamos (éramos dois auditores ) o serviço as 14hrs e duas horas depois o gerente do hotel passou por la, viu como estávamos  suados, e perguntou “Voces gostariam de tomar um suco de laranja”?  Balancamos nossas cabeças afirmativamente, um suco de laranja naquele momento seria maravilhoso, e logo foi nos servido um suco delicioso.  No dia seguinte, estavamos fazendo o mesmo serviço num outro hotel quando recebemos um telefonema do Diretor, que perguntou “Voces tomaram dois sucos de laranjas no Hotel Aeroporto ontem”, “Sim”, respondemos, “Voces não sabem que não tem direito a consumo interno”? “Ja mandei o hotel emitir uma nota fiscal desse consumo, e no fim do expediente vocês passam no hotel e pagam a conta, e que isso não se repita mais”, gritou o Diretor.  Quando chegávamos no Hotel Aeroporto, o gerente nos esperava na porta.  Ele já havia pago a nota fiscal dos dois sucos, e não aceitou de maneira alguma que o reembolsamos, e ainda pediu mil desculpas pelo constrangimento que, inadvertidamente, havia nos causado.
         Visto pelos padrões de hoje, este tipo de disciplina e quase incompreensivel, mas era a cultura reinante na época, e isso permeava toda a organização, ate os escalões superiores.  Me lembro de um fato ocorrido por volta dessa época no Hotel Olinda, que exemplifica o que estou dizendo.  Havia chegado há pouco tempo no grupo um Alemão, que exercia a função de gerente tornante.  Isto e, ele substituía os gerentes dos diversos hotéis quando estes tiravam seus períodos de ferias.  Logo, ele foi designado para substituir o gerente do Hotel Olinda, nas suas ferias.  No primeiro dia no cargo resolveu fazer uma inspecção nos apartamentos e encontrou um banheiro com a pia rachada.  Chamou o encarregado da manutenção, um veterano com mais de 30 anos de casa, e ordenou “Substitui esta pia, ela não pode permanecer desta forma”.  No dia seguinte o gerente voltou ao apartamento e verificou que nada havia sido feito.  Chamou novamente o Encarregado da Manutenção , e, já irritado, ordenou novamente que a pia fosse substituída.  No terceiro dia, uma nova inspecção, e novamente nada havia sido feito, só que desta vez, o gerente substiituto, já furioso, pegou a marreta da mão do Encarregado e espatifou a pia em pedaços, e virando para o Encarregado disse, “Pronto, agora você quer me fazer o favor de colocar uma nova pia no lugar” “Nao posso, Senhor, não temos outra pia em estoque.  O Senhor tem que fazer um pedido de compra para o Escritório Central"  O Encarregado tinha razão, era assim que o sistema funcionava.    Consequentemente, naquele dia, o apartamento não podia ser alugado, pois ficou em manutenção.  No dia seguinte o Diretor, observando que entre todos os hotéis do grupo, apenas o Hotel Olinda havia passado a noite com um apartamento não alugado, ligou para saber a razão.  Ao se inteirar dos fatos, não teve duvidas, ordenou que o gerente pagasse  não apenas o custo da pia que ele havia quebrada,  mas que também pagasse a diária do apartamento que ficou em manutenção.  Uma lição e tanto para o recem-chegado.

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