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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Paraíso

       Os seis meses seguintes, foram os mais lucrativos de todo o estagio.  Não necessariamente pelo que aprendi, mas pelo que ganhei em dinheiro.  Isso porque o programa de estagio consistia em passar três meses no Concierge, e três meses na Recepção do hotel.  Diferente de hoje, só trabalhava homens nestes setores, a maioria deles de origem europeu, e com muitos anos de casa.  Era comum os recepcionistas falaram fluentemente cinco ou seis idiomas. Eram verdadeiros mestres na arte de hospitalidade, e ganhavam, frequentemente, pequenas fortunas.  No caso dos Concierges, os rendimentos vinham das comissões recebidos por intermediar os serviços externos requisitados pelos hospedes.  O mais importante desses eram os serviços de telegrama.  Neste tempo, o serviço telefónico era caótico, e uma ligação interurbana, ou internacional, quase impossível de conseguir.  Consequentemente, todo mundo se comunicava através de envio de telegramas, e havia varias empresas oferecendo este serviço.  Quando um hospede queria enviar um telegrama, ele preenchia o texto desejado num formulário apropriado e entregava na Concierge. O Concierge então ligava para o prestador do serviço que mandava uma estafeta de bicicleta ao hotel apanhar a mensagem.  Assim que a mensagem fosse enviada, a prestadora de serviço ligava para o hotel e informava o Concierge do custo do telegrama.  Este valor era colocado na Conta de Portaria de hospede, para posterior cobrança na saída do hospede, acrescido, naturalmente, de uma “taxa de servico” de 10%.  Alem dessa taxa, o Concierge ainda recebia, há cada 15 dias, mais 10% de comissão sobre o valor de todas os telegramas enviados.  Outra fonte grande de renda eram as comissões recebidas das empresas que promoviam excursões  para os pontos turísticos da cidade, como Corcovado, Pão de Acucar, Jardim Botânico, Rio by Night, etc. cujas comissões variavam de 10 a 30%.  E se não bastasse isso, ainda havia comissões recebidos da joalherias da cidade!
       No caso dos Recepcionistas, os ganhos eram de outra natureza, eram frutos de operação de cambio, na época altamente lucrativo. Embora se tratava de uma atividade ilegal, era tolerada, tanto pela direcao do hotel, como pelos autoridades, já que tratava de uma realidade difícil de ser combatida.  Como os recepconistas atuavam também como os caixas da recepção, eram eles que cobravam as contas dos hospedes.  Na época, não havia cartões de credito, e as contas dos hospedes, quando não faturados para alguma empresa ou agência de viagens, eram pagas em espécie.  No caso dos estrangeiros, que eram maioria entre os hospedes, as contas eram normalmente pagas em "travellers chegues" em dólares, utilizando o cambio "oficial" para calcular quantos dólares eram precisos para saldar a conta.  Esses dólares eram depois negociados com cambistas que operavam no mercado de cambio gerando um lucro de aproximadamente 20% para o recepcionista.  No caixa oficial do hotel, só se lançava o valor recebido em moeda local (era Cruzeiro na época), portanto o hotel ignorava que a operação de cambio havia existida.    Alem do pagamento das contas propriamente ditas, os hospedes  também recorriam a Recepção para trocar dólares para suportar seus outros gastos na cidade.  Em cada operação de cambio, o lucro do recepcionista se aproximava a 20%.  Com este quadro, não e surpresa saber que era raro o recepcionista que não tinha quatro ou cinco apartamentos alugados em Copacabana, alem de outros bens.  O “turnover” no setor era praticamente zero.  Os recepcionistas do hotel eram muito invejados pelos demais funcionários do hotel, principalmente por aqueles que trabalhavam no escritório, devido aos altos ganhos que auferiam.  Por isso, sempre que havia alguma discrepancia numa conta, ou se um hospede saísse sem pagar, a conta era enviada para a recepção que, sabiamente,  pagava imediatamente, sem reclamar.     
           De qualquer forma, meu papel nesta área era de aprender a fazer o serviço, e tive a sorte de aprender com excelentes profissionais.  Inicialmente, como eu era um estagiário, eu não participavam no rateio dos lucros diários que eram apurados no fim de cada expediente, mas depois de algum tempo, e na medida que eu aprendia o serviço, passei a receber diariamente uma quantia que era estabelecida pelo Chefe da Recepção.   A partir deste momento, a minha vida passou por uma transformação radical.  Passei a andar mais de táxi, de que de ónibus, e andava com a carteira cheia de dinheiro. Comecei a frequentar todos os bons restaurantes da cidade – Bife de Ouro, Bec Fin, Nino`s, Berro d`Agua, entre outros, e ainda fiquei quatro meses sem passar no banco para receber meu salário oficial.  Para completar minha felicidade, em agosto eu tinha juntado dinheiro suficiente para comprar meu primeiro carro, uma fusca `63, adquirido com pagamento a vista.  Alem de ganhar bastante dinheiro, eu ainda gostava do serviço pois todo dia tinha alguma novidade, como e comum nas recepcoes dos grandes hotéis, mas infelizmente, esta parte do estagio já estava acabando. Eu ainda estava com 20 anos de idade, mas já tinha passado pelas duas grandes áreas operacionais do hotel, mas ainda faltava muita coisa.  Agora o estagio passava para a área administrativo, bem menos glamurosa, sem contacto com os hospedes, e sem gorjetas.  A “Boa Vida” tinha acabada!

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