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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Transformações e Tristezas

Em Julho de 1981, após ter passado um ano e nove meses em Belo Horizonte, houve algumas mudanças na Diretoria do grupo no Rio de Janeiro, e acabei sendo convidado para assumir o cargo de Superintendente de Operacoes – Área Sul,  do grupo.  Era um cargo novo na companhia, e eu seria responsável por todos os hotéis do Rio, (com excecao do Rio Othon), e mais os Othon Palace de São Paulo e Belo Horizonte - ao todo eram dez hotéis.  Ficaria lotado no Escritório Central no Rio e me reportaria diretamente para o Diretor de Operacoes, que por sua vez planejava se aposentar dentro de dois anos. Parecia ser uma excelente oportunidade, e com boas perspectivas futuras, e foi com entusiasmo que aceitei o convite e voltei a morar no Rio de Janeiro, depois de uma ausência de quatro anos.  Neste tempo eu havia gerenciado três dos mais importantes hotéis da companhia, em três Estados diferentes,  São Paulo, Bahia, e Minas Gerais, e a experiência adquirida havia consolidada minha reputação dentro do grupo.  Ainda jovem, com 35 anos de idade,  o futuro parecia promissor, e a ultima coisa que passava na minha cabeça era a ideia de sair do grupo Othon.   Mas mal
sabia eu que a mudança para Rio seria o primeiro passo num caminho que, em pouco mais de um ano, me levaria a deixar, definitivamente, a companhia que havia me formado como hoteleiro e como executivo.  Os problemas começaram menos de dois meses depois que assumi o posto, e eu me vi , pelo menos parcialmente, envolvido numa situação que acabou resultando no afastamento do próprio diretor-geral do grupo.  Era uma sexta-feira a tarde quando fui informado que o grupo iria adquirir um hotel em Curitiba, e eu deveria me deslocar imediatamente para aquela cidade.  A compra iria ser fechada na próxima terça-feira e eu deveria chefiar uma pequena equipe que iria assumir o hotel a partir daquela data.  Recebi um dossier sobre o hotel, com todos os dados relevantes sobre a compra, que incluía a informação que o hotel vinha operando com uma taxa de ocupação por volta de 60%, e no sábado de manha embarquei para Curitiba junto com três assessores.  Fomos recebidos no hotel em Curitiba como se já fossemos os novos proprietarios, e começamos logo a trabalhar para preparar o hotel para o “handover”.  No curso desse trabalho, foi possível constatar a informação que a taxa de ocupação do hotel durante os últimos seis meses havia sido de apenas 35%, e não os 60% constante no dossier.  Era uma informação bastante relevante, e na segunda-feira logo de manha tentei, sem sucesso, falar com o Diretor-geral para comunicar esta informação.  Não conseguindo falar com o Diretor-geral, falei com o Diretor Comercial.  “Voce esta me dizendo que as informacoes constantes do dossier estão falsos?”, ele me perguntou.  “O que eu estou dizendo”, respondi, “e que, baseado nos levantamentos que fizemos neste final de semana, e contra-checados de varias formas, eu, e a minha equipe, estamos convencidos que a taxa de ocupação real do hotel, nestes últimos seis meses, não passa de 35%”  “Vou passar esta informação para o diretor-geral”, foi a sua resposta, e desligou o telefone.  Fiquei esperando um novo telefonema do Rio, mas nada aconteceu.  No final da tarde liguei de novo para o Diretor Comercial, e ele me disse “Falei com o diretor-geral, mas ele disse que vocês só estão vendo os números “oficiais”, mas que existe uma “caixa dois” que vocês não estão vendo”.  “Nao estamos baseando nossas conclusões em dados apenas da contabilidade do hotel.  Fizemos uma auditoria operacional, conversamos com funcionários antigos, vimos relatórios gerenciais formais e informais.  Estamos convencidos que a taxa de ocupação real do hotel não passa de 35%”, insisti.  No dia seguinte, o diretor-geral , acompanhado pelo Presidente do Conselho do Othon, chegaram em Curitiba, viajando em jato particular, para concluir a negociação.  Chegando no hotel se fecharam logo numa reunião reservado com os proprietarios do hotel.  Ficamos aguardando o desfecho, na maior ansiedade, mas, depois de umas  três  horas  de reunião surgiu a informação que a negociação não estava indo bem.  Finalmente, no fim da tarde, fomos informados que o negocio não seria fechado naquele dia.  Os diretores do Othon iriam retornar ao Rio, e eu e minha equipe devemos permanecer em Curitiba, aguardando os acontecimentos.  Dois dias depois recebemos a ordem para retornar ao Rio, pois a compra não seria mais realizada.  Cheguei de volta no Rio na sexta-feira a tarde, indo direto do aeroporto para casa, mas ao chegar segunda-feira no escritório recebi a noticia bomba, o diretor-geral tinha sido desligado da companhia!  O principal motivo do seu desligamento não estava relacionado diretamente ao que sucedeu em Curitiba, embora isto fosse um agravante, mas a sua saída, e nas circumstancias em que ocorreu,   acabou provocando um verdadeiro vendaval  na estrutura organizacional do grupo, com desdobramentos em todas as áreas. sendo que a maior consequencia dessas mudanças foi uma perda de autonomia para todos os executivos do grupo, já que todas as decisões importantes passaram a ser  tomadas apenas pelo Conselho de Administração, composta unicamente por membros da família Bezerra de Mello, proprietarios do grupo.    Em consequencia dessas mudanças todas, o meu próprio cargo foi ficando cada vez mais esvaziado, e sem poderes.  O próprio Diretor de Operacoes sentia também este esvaziamento de poder, mas não se achava em condicoes de mudar a panorama.  Fui conversar com Álvaro Bezerra de Mello para manifestar minha insatisfacao com a situação, mas ele me explicou que ele também vinha enfrentando  muitas dificuldades com seus irmãos no Conselho, e por ser dono  de apenas uma décimo-primeira parte da companhia, não tinha condicoes para mudar a situação.



De qualquer forma, no final de Fevereiro de  1982 o grupo decidiu adquirir o Hotel Pajucara em Maceio, e fui novamente designado para  chefiar a equipe do “takeover”.  Era um hotel de três estrelas, e estava longe do padrão Othon de qualidade, mas nesta época a politica do grupo era de crescer a qualquer custo, e Maceio já despontava como uma atracão para o mercado turístico nacional.  Passei ao todo seis semanas em Maceio, tempo necessário para implantar os sistemas do “Othon” e aguardar a chegada do novo  gerente-geral do hotel.



 Em Abril voltei novamente para o Rio, mas logo no mês seguinte surgiu uma emergência medica com o filho do Diretor  do Imperial Othon Palace em Fortaleza, e este  foi obrigado a se licenciar para tratar do problema.  Na falta de outro substituto  disponível, fui enviado para Fortaleza para substitui-lo, permanecendo na cidade por pouco mais de um mês.  O Imperial Othon era um hotel de grande porte, mas embora fosse classificado como um hotel de cinco estrelas,  faltava o luxo e requinte que se encontrava no Bahia Othon, ou no Belo Horizonte  Othon.  Eu estava no hotel há menos de uma semana quando fui acordado, ainda de madrugada, com a informação que um avião da VASP havia colidido com um morro na aproximação para o aeroporto de Fortaleza, e que todos os passageiros e tripulantes haviam falecidos.  O Imperial Othon era o hotel que hospedava todas as tripulacoes da VASP, e tinha uma aproximação muito grande com aquela companhia aérea.  A partir daquele momento, o hotel se tornou o centro de operacoes para o atendimento aos familiares das vitimas da tragédia, e o centro de convencoes do hotel foi convertido no central de atendimento.  Durante os próximos dias o hotel foi inteiramente tomada pelo drama e tristeza do atendimento aos familiares das vitimas, e as cenas de desespero e inconformismo com a tragédia eram constantes.  Um dos problemas foi a impossibilidade de reconhecer os corpos, o que impedia que os familiares pudessem levar os corpos para serem enterrados nas suas cidades natal, conforme era o desejo da maioria.  Os ânimos dos familiares estavam exaltados e a frustracao com a burocracia do Estado, aliado a uma crescente hostilidade direcionada aos diretores da VASP, ameaçavam tornar o ambiente insustentavel.  Foi neste momento critico que o Cardeal Arcebispo de Fortaleza, Dom Ivo Lorscheider, veio ao hotel, e em poucos minutos conseguiu, com palavras de grande sabedoria,  acalmar os ânimos, e transmitir  conforto e serenidade para os familiares.  Foi um trabalho notável do Cardeal, que conseguiu inclusive a concordancia dos familiares em realizar um enterro coletivo, com uma cerimonia ecumenica, como acabou ocorrendo no dia seguinte.   No meio dessa grande tragédia, o pessoal do hotel  se desdobrava para tentar amenizar o sofrimento de todos.  Foi, para mim, uma experiência dramática, marcada pela grande tristeza  e sofrimento dos familiares das vitimas do desastre, e ate hoje, passados quase trinta anos,  minhas recordacoes dos traumáticos eventos daquela semana só me tragam lembranças tristes.

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